Para uns, a principal razão para o ajuste seria quebrar a resistência da inflação, que por anos teimosamente se encontra acima da meta — um imperativo para retomar a confiança do mercado e relançar um novo ciclo de crescimento. Outros concordam com a necessidade do ajuste fiscal por uma razão diferente: uma dívida pública sob controle é o que garante a possibilidade de realizar política fiscal anticíclica, fundamental em qualquer economia de mercado; e políticas de renda, como o Bolsa Família, cruciais em um país marcado por desigualdades econômicas e de oportunidades.
Mas o consenso parece desaparecer quando se fala de quem pagará pelo tal ajuste fiscal. Do lado das despesas, parece haver um acordo que aquelas contratualmente definidas não podem ser cortadas ao livre arbítrio das autoridades. Mas há divergências sobre quais contratos podem ser rompidos. Por exemplo, honrar contratos de dívida, todos parecem concordar: é sagrado. E mesmo quando os juros sobre os títulos do governo são elevados sistematicamente ao longo do processo de ajuste, poucos comentam o efeito que isso tem sobre o total das despesas ou sobre a sustentabilidade da dívida bruta de estados e municípios (sem mencionar a dívida de produtores e consumidores). Afinal, contrato é contrato, dizem.
Mas a posição muda quando governos se dispõem a mudar regras previdenciárias, que terminam por alterar contratos e direitos estabelecidos pelas classes afetadas. Estes contratos, sim, podem ser revistos. Também as opiniões se dividem quando se discute gastos sociais, por exemplo no programa Minha Casa Minha Vida; ou os créditos para os estudantes ou a moradia da classe média. Estes nem são considerados contratos — apesar de todos sabermos que esses programas fazem parte de políticas de Estado, resultados do grande pacto (contrato?) social que construímos a partir da Constituição de 1988.
Do lado das receitas, os pesos e as medidas também são distintos. Por exemplo, um recente estudo de uma rede de justiça fiscal internacional (Tax Justice Network) afirma que, apenas em 2010, a evasão fiscal no Brasil foi de R$ 490 bilhões — o que nos coloca em segundo lugar numa ampla lista de países que mais perdem recursos fiscais por evasão. Ou seja, os impostos pesam sobre o bolso de empresas e consumidores porque muitos grandes contribuintes não pagam o que deveriam. Apesar disso, relativamente pouco se discute no Brasil a necessidade de impostos sobre grandes riquezas ou medidas mais duras para coibir e punir a evasão.
Em suma, no caminho da austeridade, uma minoria quer preservar as medidas que os beneficiem. Enquanto isso, a grande maioria da população trabalhadora, que paga seus impostos e cumpre suas obrigações, quer evitar, mais uma vez, ser a variável de ajuste. As diferenças entre pesos e medidas transformam o reequilíbrio fiscal num exercício que, além de recessivo, parece quase impossível.