Por diana.dantas

No Brasil, o setor financeiro privado se sofisticou, mas continua caro e ainda limitado ao curto prazo. Por ser parte fundamental de qualquer negócio, a falta de crédito em condições adequadas é uma desvantagem competitiva que separa nossas empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, das estrangeiras. Neste momento, o governo faz esforços na criação de novos mecanismos de financiamento da infraestrutura e do investimento de grandes empresas. Há enormes possibilidades, mas também grandes riscos, neste empreendimento.

Citado por Martin Wolf na sua coluna no “Financial Times”, estudo recente de economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) levanta alguns temas importantes sobre a relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento. O estudo "Rethinking Financial Deepening: Stability and Growth in Emerging Markets", disponível no site do FMI, reafirma algo conhecido pelos economistas: um sistema financeiro privado “profundo” alavanca o desenvolvimento econômico; mas também indica que, a partir de um determinado tamanho, esta contribuição pode ser neutra ou negativa.

Na América Latina, muitas são as economias que sequer tiveram o privilégio de passar ao menos pelo estágio “positivo” desse desenvolvimento. Não foi por falta de esforços. Como política de desenvolvimento financeiro, por pelo menos três décadas apostamos na construção de um ambiente de estabilidade macroeconômica, com menor intervenção do Estado, e entrada de novos atores e maior liberdade na fixação das taxas de juros. Porém, como afirma outro estudo de 2012, disponível no site do Banco Mundial de 2012 "Financial Development in Latin America and the Caribbean", o resultado tem sido decepcionante: nossos mercados de títulos de dívida de longo prazo são ainda pequenos; e se nossos bancos são campeões globais em juros, em tarifas e em rentabilidade, continuam a privilegiar operações de baixo risco e curto prazo.

Ao que tudo indica, criar as condições adequadas para o crescimento no longo prazo requer políticas públicas mais ativas do que tivemos até agora. Por exemplo, a China e a Coreia do Sul (antes da desregulamentação financeiro dos anos 90) tiveram um desenvolvimento financeiro ainda mais impressionante do que o seu crescimento econômico, e continuam a ter as melhores condições de financiamento de todas as economias emergentes. Para isso, mantiveram “mãos fortes” sobre os seus bancos, na sua maioria públicos, e influenciaram muito os investimentos das empresas. Essa estratégia envolveu, por outro lado, isolar o sistema de outros riscos — como, por exemplo, os de liquidez (causados por oscilações abruptas dos juros de captação) e cambiais (infligidos por exposição elevadas do sistema ao câmbio). Com isso, foi possível manter-se significativo controle sobre as condições de captação e de utilização de recursos financeiros.

Esse caminho evidentemente não pode ser replicado em economias que preservam uma saudável distância entre o privado e público, e/ou que mantenham um alto grau de abertura financeira ao exterior. Neste caso, a estratégia de desenvolvimento financeiro deve envolver “incentivos” distintos, para que os investidores privados aceitem absorver ativos financeiros de maior risco e maior prazo. Um exemplo recente deste tipo de política pública, muito em voga na União Europeia, tem sido a criação de sistemas de garantias públicas parciais e o desenvolvimento de debêntures de infraestrutura, emitidas por intermediários privados e adquiridos por fundos de pensão e outros investidores institucionais. No Brasil, a reboque da possível retração dos financiamentos públicos de longo prazo, há um movimento similar na tentativa do governo em desenvolver novos instrumentos privados de financiamento de longo prazo.

A estratégia é bem-vinda, mas encontrará fortes obstáculos. O primeiro é evidentemente o fato de os potenciais ofertantes de recursos de longo prazo — os fundos de pensão e outros investidores institucionais — poderem contar com alta remuneração, sem risco, na rolagem da dívida pública. Em segundo lugar, houve um aumento muito acentuado da percepção de risco dos investidores — devido à recessão em curso, à inflação mais elevada, ao risco cambial em alta, e às incertezas em relação ao futuro. Por fim, em geral este tipo de politica de desenvolvimento de mercados financeiros requer um tempo largo — enquanto são enormes as necessidades de financiamento para manter um nível mínimo de investimento de longo prazo necessários para a retomada do crescimento.

Ou seja, nossa atual política de desenvolvimento financeiro está na direção correta. Mas o momento não poderia ser mais adverso. O maior risco que estamos assumindo, portanto, é uma situação em que reduzimos as atuais fontes públicas de financiamento de longo prazo, sem termos ainda desenvolvido minimamente alternativas privadas.

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