Quase todos os membros do grupo das 20 maiores economias (o G-20) têm mantido políticas de juros baixos nos últimos anos. O argumento é quase sempre o mesmo: em economias com baixo crescimento e inflação, elevar os juros não faz sentido. Afinal, depois de quase sete anos de crise ainda prevalece uma enorme incerteza que tem paralisado o investimento, mantido a produção abaixo do potencial, e debilitado a recuperação dos salários médios no mercado de trabalho. A elevação dos juros nesse quadro só transformaria um relativo pessimismo dos agentes em uma certeza: a de que o custo do financiamento para consumidores e investidores seria mais elevado, e de que a demanda futura continuaria andando de lado. Nada disso pode contribuir para a recuperação do investimento e da produção.
Há outras ponderações, levantadas somente nas entrelinhas dos relatórios oficiais. Por um lado, mesmo em países que não têm dificuldade em captar recursos no mercado, uma elevação dos juros geraria uma considerável degradação do quadro fiscal, dado o espetacular crescimento da dívida nos últimos anos. Por outro, se ocorresse nos Estados Unidos, ou outra economia de moeda forte, o efeito sobre o mundo de um aumento dos juros poderia ser devastador: uma possível reversão dos fluxos no sentido dos Estados Unidos, imprevisíveis flutuações cambiais e riscos de liquidez para as economias mais endividadas em dólares. Em suma, o risco seria gerar uma “profecia autorrealizável”, levando uma situação frágil de recuperação em um quadro de menos emprego, menos investimento e perda de espaço fiscal. Isso explica porque nenhum governo quer apostar em saltos nos juros, e porque mesmo o conservador Fundo Monetário Internacional praticamente pediu aos Estados Unidos que evitassem qualquer aumento de juros agora.
Neste quadro, parece surpreendente o Brasil simultaneamente aumentar os juros de longo prazo cobrados pelo BNDES (a TJLP) e a taxa básica de rolagem da divida publica (a Selic). Evidentemente não faltam argumentos a favor da farra dos juros altos no Brasil — todos apontando para as especificidades do nosso país, e todos com contradições analíticas.
No caso dos juros de longo prazo cobrados pelo BNDES (a TJLP), tenho lido argumentos distintos. Um é fácil de entender: ao aumentar a TJLP, supostamente diminui-se o subsídio a um crédito parcialmente financiado com recursos do Tesouro para o BNDES — uma contribuição para a austeridade. Porém, também se argumenta que uma redução do papel do BNDES no apoio ao investimento produtivo terminará por aumentar as fontes privadas, contribuindo para uma eventual queda dos juros de longo prazo e um aumento do investimento produtivo. Essa equação só fecha com muita boa vontade; por exemplo, se supormos que sejam declinantes as expectativas de juros; ou que o investimento produtivo aumentará simplesmente pelo aumento da confiança gerada, supostamente, pela redução da intervenção publica. Mas alguém acredita que o Banco Central começará a reduzir os juros no futuro próximo, ou conhece casos de que o investimento tenha aumentado em quadros de incerteza em alta e com aumento do custo de financiamento de longo prazo?
As contradições analíticas se complicam mesmo quando se justifica o aumento da Selic. Sabemos todos que o Brasil passa por um momento de “resistência inflacionaria”, e que é preciso domar o dragão para dentro da meta de 4,5% estabelecida para o Banco Central. Sim, a inflação está alta há muito tempo, e deve ser contida. Mas sabemos também que o Brasil ainda sofre de problemas de inércia inflacionária, o que explica parcialmente porque quando ela atinge um certo patamar, reduzi-la não é elementar; e que a aceleração inflacionária foi parcialmente causada pelo choque de correção dos preços públicos. Ao provocar um novo choque de preços, as autoridades deveriam considerar um período maior para restabelecer uma trajetória no sentido da meta. Mas não: com frequência, as autoridades repetem ainda que os reajustes continuarão e que isto não afetará a trajetória de volta para a meta. Ora, neste caso, a única forma que resta para combater um potencial aumento do patamar da inflação será gerando uma enorme recessão. Fica a suspeita de que a questão deixou de ser diminuir o consumo, mas simplesmente retirar o consumidor do mercado — e pela porta de saída, ou seja, pelo desemprego.
Outro argumento que leio com frequência é que a “austeridade monetária” deve acompanhar a fiscal para gerar rápida recuperação da credibilidade, manter o grau de investimento e, portanto, da retomada do crescimento. O argumento sobre a relação entre a credibilidade e “as duas austeridades” parece simplesmente ignorar o que todo o mundo sabe: um aumento dos juros afeta o custo de rolagem da dívida, deprime a atividade econômica e, portanto, reduz a arrecadação de impostos. Invariavelmente termina por gerar ainda maior pressão por medidas politicamente insustentáveis em conjunturas recessivas: cortes de gastos públicos mais profundos e/ou aumento de tributos. Por esta razão, na maioria dos casos em que foi implementada conjuntamente com choque de juros, a austeridade fiscal se demonstrou técnica e/ou politicamente insustentável. E não nos iludamos com o fato de que os investidores e agências de rating olhem agora com bons olhos a vontade das autoridades econômicas em “cortar na própria carne”: a experiência tem sido que, no fim das contas, eles querem mesmo é saber se manterá a trajetória de queda da dívida pública.
Se os argumentos pela farra dos juros altos estiverem certos, só poderemos contar com a retomada do crescimento e do emprego em 2016 ou 2017. Isso não é uma perspectiva nada boa para a maioria das famílias brasileiras, com exceção talvez das que irão desfrutar dos R$ 90 bilhões adicionais da conta total de R$ 400 bilhões pagos sobre os títulos do Tesouro. Se não forem acertados ... bem, nem quero imaginar.