A administração macroeconômica no Brasil há 20 anos tem sido guiada pela combinação de responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante. Com este tripé foi possível gerar as estabilidades econômica e política necessárias para as tomadas de decisões de produzir e investir no setor privado, e para avançar com programas sociais redutores da pobreza e da desigualdade. Em momentos de ajustes significativos, a funcionalidade do tripé entretanto depende de pelos menos três outros pilares, externos às decisões da equipe econômica: mínima coesão política; situação externa relativamente estável; e mercados financeiros (nacionais e internacionais) favoráveis. Nenhum desses pilares é muito sólido hoje, o que tem transformado o que deveria ser uma saudável mudança de curso na política em um drama.
Esse drama se desenrolou em quatro atos. No primeiro, logo ao assumir, a equipe econômica afirmou o que muitos já conheciam: a utilização excessiva dos gastos fiscais, inclusive com expedientes ditos como questionáveis, tinha criado desequilíbrios fiscais que se prolongariam para além de 2014. Nesta trajetória, o risco de perdermos a credibilidade no comprometimento com a responsabilidade fiscal, e portanto nosso grau de investimento, era grande. O ministro da Fazenda colocou-se logo como “fiel da balança” para aplacar as dúvidas do mercado, inclusive em conversas diretas com as agências de rating e investidores internacionais.
Optou-se também por promover simultaneamente um “choque” de tarifas, supostamente para garantir o retorno da sustentabilidade financeira das empresas públicas e mais recursos para os cofres de seu acionista maior — o governo. Esse “tarifaço” seria, por fim, complementado pelo novo-realismo de custos do financiamento público — da produção (especialmente a agricultura) e do investimento (nos empréstimos dos bancos públicos). No caso do BNDES, se dizia, a decisão só afetaria as grandes empresas, que sempre poderiam utilizar recursos privados, que entrariam no circuito uma vez que as instituições financeiras públicas deixassem de competir deslealmente com seus juros subsidiados.
Tudo bacana no papel. Porém aí começa o segundo ato: alguém tem de pagar pelos ajustes de tarifas e juros. Sentiram imediatamente o impacto os consumidores e os produtores. Os primeiros reagiram responsavelmente, mas nada podiam fazer além de acomodar seu orçamento com uma brutal revisão dos gastos. Os segundos podiam dividir o ajuste entre cortar gastos, demitindo os primeiros, e aumentar os preços. Logo, ao mesmo tempo temos mais inflação, e menos emprego, produção e renda. Os investidores produtivos, vendo o porvir econômico e o aumento simultâneo dos custos de financiamento, começaram a engavetar os poucos projetos de longo prazo que tinham.
A inflação mais alta remeteu o problema pelos responsáveis pela segunda pata do tripé — a meta de inflação. A diretoria do Banco Central, buscando enviar a mensagem de autonomia e a necessidade de manter sua própria credibilidade frente ao mercado, prontamente responde ao desafio de manter-se “vigilante” elevando, de maneira espetacular, os juros de curto prazo (a Selic). O concomitante aumento da Selic e do risco de inadimplência, gerado pelo salto no desemprego e pela queda da demanda, provoca, por sua vez, um aumento brutal dos juros na ponta. E aí entramos numa espiral de deterioração da situação financeira das empresas, aumento da inadimplência, desemprego e maior pessimismo.
O terceiro ato desse drama tem a ver com o lado das receitas fiscais no ajuste. Com a queda da arrecadação, aumenta a pressão por aprovar medidas que, em alguns casos, afetam direitos e interesses. São mudanças que requerem apoio político, a começar no Congresso — que já possuía pouca gente disposta a ajudar este governo, situação que não poderia melhorar no momento em que aos seus membros lhes é pedido que apoiem medidas contrárias às suas variadas bases de apoio político, e, porque não dizer, econômico. O circo estava montado para um espetáculo de empurra-empurra que tem gerado inação — quando não simplesmente reversão dos esforços de ajuste.
Neste momento, inicia-se o quarto ato: o governo (o Planejamento e o Mdic, por exemplo) entende que, sem crescimento, este imbróglio econômico não se desata, e que a credibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente, para que os empresários ousem produzir e, especialmente, investir mais. Dentro do governo, uns passaram uma busca ativa de projetos de investimentos (concessões) capazes de atrair os investidores, mesmo nas condições atuais de temperatura alta e baixa pressão. Outros começaram a olhar o mercado lá fora, e desesperadamente procuram surfar sobre o dólar mais caro e tentaram fechar acordos de comércio e investimento.
Para os que creem que estamos num nó impossível de desatar, sempre é bom lembrar que os fundamentos ainda estão aí: temos mais de US$ 370 bilhões de reserva; um real mais competitivo; um setor privado brasileiro com enorme vigor e criatividade; uma dívida pública controlável; e invejáveis instrumentos de politica. Há um plano de investimentos públicos em infraestrutura na rua que vale a pena ser tratado como prioritário; o setor exportador pode, e deve, voltar a ser tratado à altura da sua importância; e novas parcerias com atores estrangeiros podem ser firmadas de forma transparente e com visão de longo prazo.
Vendo de fora, não há razão para pensar que este seja um momento de “encruzilhada”. Parece, sim, imprescindível um novo ajuste no posicionamento dos pilares do tripé para torná-lo mais eficaz e gerar mais espaço para o crescimento — o que pode ampliar o apoio político para dar continuidade ao ajuste. Esta é, para este autor, a única forma de evitar que a atual situação dramática não se transforme numa tragédia grega.