Por diana.dantas

Em três semanas, de 12 de Junho a 3 de Julho, um dos principais indicadores do mercado chinês, o Shanghai composite index (SSE), sofreu queda de quase de 30%. Isto é só um capitulo de uma possível novela de crise financeira? Quais as consequências para a China e/ou para a economia global? O roteiro desta novela se iniciou com a desaceleração na China já em 2010. As autoridades chinesas não convivem muito bem com essa situação por distintas razões. Uma delas, talvez a mais importante, é política: o crescimento alto é o que garante altos níveis de emprego e a melhoria de vida da população, e, em grande medida, a coesão social — especialmente em uma nação que mantém um regime político forte e uma economia de mercado. Num quadro de recuperação frágil e instável da economia global, a China dificilmente poderia manter o crescimento de dois dígitos do passado. Para evitar uma desaceleração ainda maior, o governo chinês tem dobrado apostas nas reformas voltadas a ampliar o papel e a dinâmica das instituições e mercados privados.

Uma dessas apostas tem sido na abertura de seus mercados financeiros. Um exemplo, sobre o qual eu já escrevi nesta coluna em abril (“O pesadelo financeiro ‘made in china’, http://goo.gl/7GKTIs), tem sido permitir o impressionante crescimento dos empréstimos não regulados. O chamado “sistema bancário sombra” já foi o vilão por detrás da bolha especulativa do mercado de construção e imobiliário, que já perdeu o seu lustro. Mas a bolha não se sustentou, e o índice de preços de imóveis novos vem caindo em torno de 6% desde janeiro de 2014. Frustrados com a queda dos retornos nos mercados imobiliários, muitos investidores locais se voltaram para as ações, o que gerou os ganhos espetaculares no ano passado — uma valorização de 150%. A possibilidade de ganhos rápidos terminou por atrair pequenos e médios investidores a esquemas altamente especulativos de empréstimos junto ao sistema bancário não regulado. De acordo com dados do “Wall Street Journal” (http://goo.gl/fZd6Oc), somente as empresas de valores imobiliários emprestaram US$ 365 bilhões para alavancar investidores na bolsa.

Ao longo de todo o período de alto crescimento, as autoridades chinesas mantiveram controle sobre uma parcela das variáveis que afetam as decisões dos produtores e investidores privados: câmbio, juros e tarifas são rigorosamente controlados dentro do emaranhado de empresas e instituições financeiras públicas. Portanto, estavam (mal) acostumadas a “domar grande leões capitalistas”. Acharam que não seria diferente com o mercado acionário, que já vinha dando sinais de perigo há algum tempo. Erraram.

Os mercados financeiros têm, sim, enorme capacidade de inovar, e potencial para prover recursos para a economia capitalista. Mas são diferentes dos mercados de produtos: para que seja funcional ao crescimento, seu bom funcionamento depende de boa regulação e constante supervisão. O olho atento dos reguladores se faz necessário para que se produza um equilíbrio (tênue) entre dois tipos de profissionais: o “investidor paciente”, que adquire uma ação ou uma debenture com a esperança de valorização num horizonte longo; e o especulador que está sempre à espera de uma oportunidade para comprar (na baixa) e vender (na alta). Um bom funcionamento dos mercados financeiros requer a existência de uma base sólida de “investidores pacientes”; mas vira cemitério por falta de liquidez quando desaparecem os especuladores. E quando prevalece majoritariamente o lado especulativo, vira jogatina; tornam-se excessivamente voláteis, e terminam por afastar os investidores mais pacientes.

Assim, mesmo que houvesse sinais de que o mercado estava se tornando um cassino, as autoridades chinesas demoraram demais a intervir — talvez por não saber como o mercado reagiria a uma intervenção; e/ou quiçá porque queria evitar qualquer dúvida do seu compromisso de “reformas pró-mercado”. Mas, face ao derretimento, interviram com atitudes “do arco da velha”: proibiram investidores com mais de 5% de participação acionária e presidentes de empresas de vender suas ações; injetaram recursos diretamente nas companhias de valores imobiliários; “incentivaram” fundos de pensão a comprar; e permitiram que a metade das empresas listadas suspendessem a negociações de suas ações. Na sexta-feira subsequente ao fatídico 3 de Julho, o SSE mostrava alguma recuperação, com uma valorização de mais de 5% em relação ao fim da semana anterior. O resultado foi que a hemorragia estancou, mas o mercado entrou em módulo “zumbi”.

As consequências imediatas deste capítulo da novela são ainda de difícil avaliação. Como o governo foi um dos que mais incentivou investidores individuais a entrar no mercado, a crise deve afetar sua credibilidade política e a confiança na sua perseverança nas reformas de mercado. Do ponto de vista macroeconômico, há um risco de os balanços no setor bancário sombra terem sido muito afetados; além disso, as perdas de riqueza pessoal (cerca de 37 milhões que investiram no ultimo trimestre provavelmente perderam muito) e de acesso ao financiamento podem gerar desaceleração do consumo doméstico. Para a economia mundial, o enfraquecimento da saída “pelo mercado” para evitar a desaceleração da China preocupa. Para o Brasil, sempre há a ameaça de que isso resulte em um comércio internacional ainda pior — especialmente para os exportadores de commodities.

Essa novela está, entretanto, somente no segundo capítulo. Creio que ainda veremos muitos desdobramentos nos próximos meses. Mas se você ainda acha isto pouca emoção, mude o canal: em qualquer parte do globo você vai encontrar outras tramas de dar calafrios.

Você pode gostar