Duna Dama BrancaLudmila Lopes

 Cabo Frio - A denúncia sobre o suposto favorecimento financeiro do Instituto Ecovida, entidade não governamental responsável pelas obras de restauração e revitalização do Parque Dormitório das Garças, em Cabo Frio, marcou o Dia do Meio Ambiente, festejado mundialmente em 5 de junho, na cidade. Contudo, o mês ainda não chegou ao fim, tampouco as denúncias ligadas ao Instituto. Desta vez, o alvo é o Duna Viva, que tem como objetivo conservar e restaurar as áreas degradadas da região da Duna Dama Branca, localizada no Parque Estadual da Costa do Sol.

De acordo com Juan Gomes, coordenador técnico do projeto Duna Viva, o programa teve início no dia 15 de janeiro deste ano e tem prazo de dez meses, chegando ao fim 15 de novembro. Salienta-se que, conforme o projeto, inicialmente, a previsão era que os trabalhos acontecessem entre agosto de 2023 e setembro de 2024.
O plano foi colocado em prática a partir de uma emenda parlamentar de R$ 1.629.208 da deputada federal Talíria Petrone (PSOL). O que chama a atenção neste valor é que é exatamente o mesmo destinado às obras do Dormitório das Garças

Apesar das duas emendas possuírem os mesmos valores globais, as diferenças entre as propostas são nítidas. A primeira é que, mesmo atrasado, o da Duna Dama Branca já começou. A segunda é que o plano do Dormitório das Garças aloca 48% do orçamento total para estruturar a equipe do Instituto Ecovida para atuar no projeto. Já o da Duna destina R$ 1.313.808,58, o que equivale a aproximadamente 81% do total da emenda parlamentar, restando apenas 19% para a execução dos trabalhos.

Vale pontuar que, desse montante, R$ 1.194.891,88 é destinado para contratar consultorias e assessorias necessárias para o programa, ou seja, aproximadamente 91% do total do orçamento. Desse valor, R$ 1.138.891,88 destina-se à contratação de Recursos Humanos. Nenhuma nota fiscal neste valor foi identificada no Portal de Transparência.

Entretanto, em diferentes valores, foi possível identificar, através das notas fiscais disponíveis no Portal, que a empresa contratada para atuar na área de Recursos Humanos foi o Instituto de Gestão Setorial (IGS). É importante salientar que o CNPJ dessa empresa se limita a atividades de contabilidade, corretagem de seguro e consultoria em gestão empresarial. Os valores começaram a ser repassados antes do início das atividades.

Chama a atenção, inclusive, a descrição das notas fiscais do IGS, que, em momento algum, mencionam o trabalho na área de Recursos Humanos. 
Veja as notas fiscais dos valores enviados ao IGS:
Para melhor compreensão, é importante salientar que o plano de trabalho dos programas do Instituto Ecovida são divididos por metas, que explica os objetivos a serem trabalhados durante os projetos, e “submetas”, que são os itens a serem comprados dentro de cada meta. O documento não tipifica o nível de importância, mas estabelece a quantia a ser destinada para cada uma delas.

Dito isto, neste projeto ficou estabelecido que a primeira meta é estruturar a equipe do Instituto EcoVida para trabalhar no planejamento. Anteriormente, foi mencionado que cerca de 81% do orçamento total é destinado para esta parte.

Vale pontuar que, de acordo com o Portal de Transparência, desta quantia, R$ 1.194.891,88 serve para a contratação de consultorias e assessorias necessárias ao projeto. Estes tópicos representam a primeira parte da meta inicial. Já o montante de R$ 36 mil é destinado para a contratação de um assessor de imprensa durante um ano. A reportagem, inclusive, tentou contato com a responsável pela comunicação do programa por mais de uma vez, mas não obteve qualquer retorno.

A segunda fase da primeira meta consiste em equipar a equipe. O primeiro tópico consta na informatização da equipe do Instituto Ecovida para atender ao programa. O valor destinado à esta etapa é de R$ 45.116,75. Dentre as compras inclusas neste tópico constam mouse box com fio Usb MO255 Multilaser, mouse pad slim e notebooks i5, 256 ssd e 8 gb de ram.

A terceira fase destina a quantia de R$ 73.800 para a compra de um veículo, com o objetivo de garantir a mobilidade e a logística da equipe do projeto. No caso, o valor é destinado à compra de um quadriciclo tipo OHV modelo Ventura M50L + carreta de reboque com adaptação para quadriciclo avaliado em R$ 63.872. Os R$ 9.928 restantes seriam destinados para o abastecimento do automóvel.

Algumas questões chamam a atenção neste tópico. A primeira é a nota fiscal de compra do quadriciclo, disponível no Portal de Transparência. Apesar do projeto destinar o montante de R$ 63.872 para a compra do veículo, o documento mostra que ele foi adquirido pelo valor de R$ 55.290.

A quantia “sobressalente” de R$ 8.582, na teoria, seria destinada, na íntegra, para a compra da carreta de reboque, cujo objetivo é o transporte das mudas, mourões e afins. O problema é que, de acordo com a nota fiscal do produto, que foi comprado com mais de um mês de diferença do quadriciclo, mostra que a mesma custou R$ 4.500. Ou seja, conforme os dados oficiais, sobrou o valor de R$ 4.082, do qual não foi dada qualquer justificativa por parte do Instituto para que finalidade foi utilizado.
Confira as notas fiscais:
A outra questão é que a meta é bem específica quanto seu objetivo, que é garantir a mobilidade e a logística da equipe do projeto. Neste ponto, o que chama a atenção é a existência de um acordo de cooperação técnica assinado pela prefeita Magdala Furtado (PV) no dia 27 de março desse ano e pelo Instituo Ecovida, pouco antes do desligamento de Rosalice Magaldi Fernandes da Secretaria de Meio Ambiente da cidade.

Na cláusula quarta do documento, que representa as atribuições do município de Cabo Frio, executadas pelo Instituto Ecovida, no que diz respeito ao Projeto Duna Viva, fica descrita que a prefeitura está cedendo, além da edificação localizada na parte frontal do Horto Municipal para sede administrativa do programa, a cessão de um carro alugado no modelo Volkswagem Saveiro cabine dupla até 2025.

Ou seja, além do gasto menor do que o pretendido com o automóvel, o Projeto Duna Viva ainda conta com veículo cedido gratuitamente pela prefeitura. Veja o documento: 
Sobre a questão do automóvel, o coordenador técnico do projeto disse à reportagem que houve uma complicação burocrática para sua aquisição.

De acordo com Juan, “segundo as diretrizes do MMA, o veículo deveria ser adquirido no estado de origem do CNPJ do gestor da emenda, o que, no caso do Instituto, é o Amapá, o que impossibilitou sua aquisição, pois teria toda uma questão de frete, emplacamento, enfim. Por isso foi feito o pedido junto ao MMA para a troca do veículo pelo quadriciclo, que também ajudaria nos traslados pela duna. (…) [Ele] fica garageado na sede do Parque Estadual da Costa do Sol, no Foguete”, disse o coordenador, destacando que não possui acesso a valores e a qualquer questão administrativa, e pontuando que “juntamente ao quadriciclo foi adquirido uma carretilha para transporte de mudas, mourões e tal”.
Duna Dama Branca - Ludmila Lopes
Duna Dama BrancaLudmila Lopes
Duna Dama Branca - Ludmila Lopes
Duna Dama BrancaLudmila Lopes
Das metas observadas, até o momento, ao que tudo indica, a segunda, que tem como objetivo “conter a ocorrência de acessos e ocupações irregulares”, é uma das mais avançadas.

Avaliada em R$ 87.852,64, a meta propõe o cercamento de 7,6 km do perímetro da duna e a plantação mudas entre os mourões, com o objetivo de conter a passagem de veículos não autorizados. Neste ponto, é importante mencionar que existe uma divergência entre a proposta, que apresenta um número de mudas a serem plantadas (1 mil), e o plano de trabalho, que propõe outro (500).
 
Colocação dos mourões - Reprodução
Colocação dos mourõesReprodução
Colocação dos mourões - Reprodução
Colocação dos mourõesReprodução
Apesar disso, chama a atenção o fato de que a colocação dos mourões foi realizada em totalidade, conforme publicado nas redes sociais do Ecovida nesta quarta-feira (19). A colocação deles, inclusive, também foi registrada e publicada nas redes sociais em outros momentos, como entre os dias 18 de abril e 27 de maio. Uma equipe do Jornal O Dia esteve no local e percorreu a área, confirmando que, de fato, o perímetro foi cercado.

O que não foi observado, no entanto, foi a quantidade de mudas mencionada. A plantação, até o momento, foi feita apenas no início, próximo à entrada do Parque Estadual da Costa do Sol.

À reportagem, Juan explicou que, até o momento, entre os mourões, foram plantadas cerca de 90 mudas de aroeira, pitanga e araçá-da-praia, todas espécies nativas de restinga. O coordenador técnico disse também que, “daqui a mais ou menos um mês [a equipe realizará] podas drásticas nessas mudas, pois estão muito grandes para aguentar as condições climáticas da nossa região”.

Esclareceu, ainda, que, nesse trecho, serão plantadas ao todo cerca de 300 mudas e que as equipes estão aguardando as condições climáticas melhorarem para o plantio do restante.
Contudo, há de se refletir sobre competências e atuações nesta segunda meta, que tem como objetivo a coibição de acessos e ocupações irregulares de um lugar público. De acordo com a proposta apresentada pelo Instituto Ecovida, a degradação ambiental no local é causada, dentre outras questões, por invasões. De fato, este é um problema grave – de domínio da gestão municipal.

A Lei Orgânica de Cabo Frio, nos artigos 8º, 11º, 27º e 42º, atribui ao município e a órgãos estaduais a competência para a gestão e fiscalização das áreas públicas, incluindo a contenção de acessos e ocupações irregulares. Esses dispositivos legais estabelecem que a competência de proteger e preservar tais áreas não cabe a projetos ambientais, mas sim à administração pública municipal e suas secretarias, em parceria com órgãos estaduais.

Segundo o coordenador técnico do projeto, foi necessário solicitar autorização do cercamento para a prefeitura, além de dar entrada em processo SEI Inea para dar ciência das atividades futuras para o órgão gestor do Parque Estadual da Costa do Sol e tirar quaisquer dúvidas que os responsáveis pudessem ter.

Já a terceira meta tem como objetivo integrar a população urbana e turística de Cabo Frio ao projeto. Avaliada em R$ 66.110, nela consta a divulgação da realização de todas as ações do plano e a realização de ações de educação ambiental para 1.200 pessoas no decorrer do programa.

Só para a realização desta fase, foram adquiridas 1.500 camisas personalizadas com logo “Duna Viva”. Orçadas em R$ 34.500, a confecção das delas abrange 52% da quantia destinada à meta. Cada uma custou R$ 23. Estudantes, atuantes e voluntários do Projeto Duna Viva aparecem constantemente em publicações nas redes sociais utilizando a mesma.

Porém, quando a equipe do Jornal O Dia foi até o local em busca de alguma resposta sobre as denúncias, não encontrou qualquer pessoa identificada com a camisa do programa.

Ainda nesta meta, estão inclusas a produção dez placas, 12 banners, 1.500 lápis semente personalizados e a contratação de um educador ambiental. Sem contar com as camisetas, essa etapa ficou orçada em R$ 31.610. A questão é que, após uma pesquisa minuciosa, dados interessantes foram descobertos acerca desta etapa.

O primeiro é que a responsável pela confecção da maioria dos banners, dos lápis e das placas é a arquiteta Marcela Parreira de Freitas Monteiro. O que chama a atenção é a semelhança entre o sobrenome dela e o de Roberta Fernandes Parreira de Freitas, gerente geral de projetos do Instituto Ecovida e filha da ex-secretária de Meio Ambiente de Cabo Frio, Rosalice Fernandes. A coincidência fica maior ainda quando se compara o endereço de atuação das duas, que é o mesmo, ou seja, na Rua Jornalista Sebastião Costa, no bairro Piratininga, em Niterói. Isso porque trata-se de mãe e filha.
Confira a nota fiscal:
Veja as placas encontradas no local:
Placas  - Ludmila Lopes
Placas Ludmila Lopes
Placas  - Ludmila Lopes
Placas Ludmila Lopes
Duna Dama Branca - Ludmila Lopes
Duna Dama BrancaLudmila Lopes
Duna Dama Branca - Ludmila Lopes
Duna Dama BrancaLudmila Lopes
Por fim, a última meta tem como objetivo recuperar a área degradada da Duna Dama Branca com o plantio de 1.700 mudas. Dentre os tópicos desta fase, constam a aquisição de 1.700 mudas de restinga e insumos para plantio; a aquisição de maquinário e ferramentas para a manutenção do plantio; e a implementação de dois viveiros de restinga com estufa de 54 m² cada.

O que chamou a atenção nesta meta, em específico, foi uma nota fiscal ligada à gasolina para roçadeira, sendo esta um dos equipamentos necessários para a manutenção do plantio. Entende-se que, como a sede do projeto encontra-se em Cabo Frio, as notas fiscais relacionadas à gasolina deveriam ser todas emitidas com a delimitação da cidade.

Entretanto, uma em específico, datada em 10 de junho e custando R$ 945,85, apresenta como emitente um posto de combustíveis de Niterói, localizado no bairro Piratininga, justamente na área onde atua Roberta Parreira e Marcela Parreira. Surpreende ainda mais o fato do abastecimento ter sido feito em um carro modelo Corolla, até porque, originalmente, este combustível deveria ser destinado à roçadeira. 
Veja a nota fiscal:
Sobre os viveiros com estufa, de acordo com o coordenador técnico do projeto, um foi instalado no Colégio Miguel Couto e outro no Instituto Federal Fluminense (IFF).

Vale pontuar que na reportagem denunciando um suposto desvio nas obras de revitalização do Dormitório das Garças, o Instituto Ecovida, em sua nota de 14 páginas, mencionou que a estufa do mencionado plano seria instalado justamente no Miguel Couto.

Já de acordo com o acordo de cooperação técnica firmado entre a prefeitura e o Instituto, consta que, no caso do Dormitório das Garças, a estufa seria implementada no Horto Municipal de Cabo Frio. Diante disso, a reportagem questionou a Juan “se é comum os projetos se confundirem desta maneira”.

O coordenador técnico informou que “não tem ciência, nem competência para responder nada sobre o Dormitório (das Garças), (pois) lá é uma equipe completamente diferente”. 
Projeto Duna do Miguel Couto - Reprodução
Projeto Duna do Miguel CoutoReprodução
Marcella Santanna, que atuava como secretária-adjunta do Meio Ambiente de Cabo Frio na época em que Rosalice Fernandes estava à frente da pasta, e retornou recentemente ao cargo se disponibilizou para responder caso o Jornal tivesse dúvidas acerca dos projetos do Ecovida, mesmo não tendo qualquer ligação direta com o Instituto.

Diante disso, o Jornal O Dia entrou em contato e questionou acerca dos viveiros. Marcella explicou que “existiu uma possibilidade inicial de ser no horto, mas por conta da instalação do viveiro do Projeto Duna do Miguel Couto estar sendo muito bem recebida pelos escola, porque atua na educação ambiental com alunos, o Instituto entrou em contato com a direção para saber se haveria interesse em instalar o viveiro do Dormitório, que são de mudas diferentes, um é viveiro de restinga (Projeto Duna) e o outro viveiro de mangue (Projeto Dormitório), assim seria um ganho para a escola. O viveiro tem um prazo de até 10 meses para ser instalado e pode ser definido o local ideal ao longo deste tempo, então se o Miguel Couto aceitar a instalação, porque ainda está na fase de tratativas, será instalado lá, senão poderá ser em uma escola da rede pública municipal (…)”.
 
Duna Dama Branca - Ludmila Lopes
Duna Dama BrancaLudmila Lopes
Com relação ao reflorestamento da Duna Dama Branca, causou estranhamento à equipe que esteve presente no local o fato de nenhuma nova plantação ter sido identificada, principalmente porque o projeto teve início em janeiro. Questionado sobre, Juan explicou que isso se dá porque “lidar com o ambiente de restinga não é uma coisa simples” e que “plantas de restinga não são fáceis de lidar”.

“As plantas que adquirimos devem passar por todo um processo de aclimatação, passar por estresses (hídrico, temperatura) e ainda terem seus substratos trocados por substratos mais pobres. Tudo isso para dar força para elas aguentarem quando forem plantadas na restinga. E é nessa fase que estamos. O que fizemos até o momento foi realizar o manejo de exóticas, como a casuarina que, por exemplo, num só dia retiramos 408 mudas do local. E ainda estamos lidando com as maiores, buscando maneiras de retirá-las sem danificar o ambiente ao redor. E também ainda vamos realizar a limpeza das folhas da casuarina, pois elas impedem que as plantas nativas se desenvolvam corretamente. Nessa parte ainda temos a parceria com o IFF, que está junto conosco buscando formas de melhor atuarmos na área”, disse o coordenador técnico, destacando que a prefeitura tem os relatórios mensais do projeto. 
Veja o plano de trabalho detalhado: 
Envolvidos

Diante da denúncia, o Jornal entrou em contato com todos os mencionados na reportagem. Até o momento, Juan Gomes, Marcella Santanna e o Instituto Ecovida retornaram.

Sobre o caso, o Instituto afirmou, apesar das notas fiscais, que “são inteiramente falsas e infundadas todas as supostas denúncias veiculadas pela reportagem”.

Disse ainda que a reportagem, em busca do posicionamento dos citados na matéria, está “assediando os colaboradores do Ecovida com uma série de questionamentos” e que (….) “realiza todas as suas atividades no estrito cumprimento da lei, estando em dia com suas obrigações, em especial, quanto ao cumprimento de prazos e prestação de contas aos Ministérios”.

Declarou, por fim, que “não mais se manifestará de forma particular ao caso de suposta irregularidade”, finalizou, sem responder aos questionamentos solicitados.

Aos demais, o espaço segue aberto para futuros pronunciamentos.