Daquele palco, trouxe algo para mim: assim como na dança, cada caminhada tem particularidades e compartilhamentos. A beleza da arte é justamente essaArte de Kiko com fotos de Luciano Belford/Divulgação e Divulgação

No instante dos aplausos reside um encanto. É o momento mágico em que um artista é reverenciado pelo que apresentou enquanto a plateia agradece pelo que presenciou. Nesta hora, tento sincronizar as minhas palmas às de tantos outros espectadores. Mas confesso que gosto de registrar alguns segundos dessa magia com a câmera do celular. Comigo mesma, me repreendo porque poderia aplaudir um pouco mais neste momento. Foi assim na noite de estreia do espetáculo 'Último Ato', do brasileiro Thiago Soares, em um teatro da Zona Sul do Rio, na semana retrasada. Consagrado durante anos como primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres, ele não esteve sozinho no palco, assim como acredito que não estamos isolados nos infinitos atos da vida.
Por isso, algo além da dança atraiu a minha atenção. Ao fim do espetáculo, enquanto os aplausos ecoavam pelo local, Thiago se ajoelhou e reverenciou os outros cinco bailarinos — Letícia Dias, Jaime Bernardes, Tairine Barbosa, Agatha Bull e Hélio Cavalckanti — que dançaram com ele naquela noite. Sem conhecimento técnico para analisar o gesto, coube ao meu coração ver beleza na atitude. Até recorri à querida Marcelle Bilheri, que fez aulas de balé comigo na infância e de fato se tornou uma bailarina profissional. E as cenas também emocionaram quem entende do assunto. "Já estou chorando vendo essas imagens", comentou ela.
A reverência, ritual tradicional no balé, ganhava ali um novo e belo capítulo. Daquele palco, trouxe algo para mim: assim como na dança, cada caminhada tem particularidades e compartilhamentos. A beleza da arte é justamente essa. Fiquei pensando no quanto precisamos saudar aquilo que nos faz bem: as companhias de bem-querer, que tornam bela a dança da vida. Estava evidente também naquela noite, na apresentação do tango. Às vezes, bailamos sozinhos, mas em muitas outras ocasiões precisamos da sintonia de um par.
Naquele espetáculo, eu me identifiquei com a reverência que Thiago fez ao seu passado através de um telão em que passavam imagens dele mais novo. Afinal, cada passo que damos na vida já vem carregado de história. Não foi à toa que, ao conversar com Marcelle, minha amiga das aulas da balé, recordamos que éramos praticamente vizinhas e estávamos sempre brincando uma na casa da outra. Festejar a minha infância é estar em compasso com quem sou.
Daqueles instantes, também reforcei a necessidade de saudarmos o silêncio. Pode parecer contraditório falar disso em relação à dança, mas em alguns momentos os bailarinos se exibiam sem música. E isso me fez crer que eles dançavam com uma canção imaginária — um privilégio em tempos tão barulhentos.
Posso até apostar que eles nem ouviam os cliques das máquinas dos fotógrafos profissionais no teatro. Imagino que seja por conta da força e paixão que Thiago Soares falou ao fim do espetáculo. Ou da fluidez e leveza também citadas por ele. Ouso dizer que podemos ter um pouco de cada uma dessas características. Aliás, aí está uma nova razão para reverenciar a vida: somos múltiplos na nossa existência. Podemos ser leves, fortes e apaixonados por toda essa complexidade.