A cada história sobre o Carnaval, reafirmo que a festa é cultura e históriaArte: Kiko

Memórias têm o poder de nos transportar através do tempo, e eu vivo reafirmando essa mágica. Aconteceu novamente em um dia à noite enquanto assistia à televisão. Uma reportagem me fez embarcar no universo do Carnaval especialmente depois que o meu namorado resgatou uma lembrança. Ele me contou que, em certa época da vida, passou a simpatizar muito com a Mocidade Independente de Padre Miguel por conta de um samba-enredo da escola. Sem sair da sala de casa, deixamos o ano de 2024 diretamente para 1992. Nem foi preciso recorrer ao aplicativo de música para cantarolar alguns trechos de 'Sonhar não custa nada'. "Estrela de luz/ Que me conduz/ Estrela que me faz sonhar...", dizia o refrão daquele sucesso da Sapucaí.
Tudo isso me fez lembrar de uma entrevista que fiz com o maestro Felipe Prazeres, regente do Theatro Municipal: "Ninguém precisa ser erudito em música para escutar música". Da mesma forma, entendo que não necessito dominar a técnica e analisar os quesitos do Carnaval para apreciá-lo como espectadora. Basta se encantar pela festa, com acontece através de tantos sambas gravados na memória e tocados automaticamente na lembrança.
Assim, posso seguir a minha evolução pela década de 90 enquanto escrevo este texto. Desta vez, consigo lembrar a letra e também a coreografia que sintonizava com o refrão de 'Peguei um Ita no Norte', de 1993, do Salgueiro. O gestual, que sugeria o vaivém das águas, nascia em harmonia com refrão: "Foi no balanço das ondas, eu vou/ No mar eu jogo a saudade, amor...". Quinho, que nos deixou em janeiro, era o intérprete desse clássico.
A cada história sobre o Carnaval, reafirmo que a festa é cultura e história. Está evidente na escolha da Paraíso do Tuiuti, que vai falar sobre João Cândido, o líder da Revolta da Chibata (1910), conhecido como "Almirante Negro". Sua luta virou música de Aldir Blanc com João Bosco, o 'Mestre-Sala dos Mares', gravada na voz de Elis Regina, em 1974. Nem era nascida, mas felizmente a cultura perpetua momentos. Assim, tive o privilégio de ouvir a mesma canção na interpretação de Maria Rita, filha da cantora, em um show há dois anos. "Glória a todas as lutas inglórias/ Que através da nossa história/ Não esquecemos jamais", cantava Maria, com todo o vigor que a letra exige.
A cada história recontada, as escolas de samba reiteram o papel de guardiãs de universos e tempos. Como tem feito o irreverente samba da Mocidade Independente para o Carnaval deste ano. A letra exalta o caju e ainda cita um homônimo do presidente da República: "E nessa terra onde tamanho é documento/ Vou erguer um monumento para seu Luiz Inácio". Trata-se do pescador que plantou aquele que é considerado o maior cajueiro do mundo em Pirangi do Norte (RN). E isso me fez voltar ao passado mais uma vez e parar na época dos meus 20 e poucos anos. Como boa canceriana, procurei nos meus arquivos até encontrar um cartão-postal de quando estive lá em Pirangi: a imagem traz o cajueiro visto do alto, com a real dimensão da sua grandiosidade. E do caju da atual Mocidade eu volto ao samba antigo da mesma escola que nos fez acreditar que "sonhar não custa nada". Felizmente, viajar no tempo também é de graça.