'Como vocês se conheceram?', perguntou um senhor, em certa ocasião, à namorada de seu neto. A moça, então, tentou lhe explicar que o casal havia se visto pela primeira vez em um desses aplicativos virtuais, típicos da vida moderna. Um olhou as fotos e descrições do outro e acharam que poderiam dar certo. "Foi pela internet, vô", resumiu o rapaz. Aos ouvidos daquele homem, que passou boa parte dos seus 89 anos no mundo analógico, a resposta pareceu simples demais. "Então foi fácil, né?", concluiu o dono de cabelos grisalhos.
Essa cena saiu do mundo real, fez morada na minha memória e me levou a pensar que talvez tenhamos mais facilidades hoje em dia para encontrar alguém. Ou nos iludimos com elas. Pode ser menos complicado estar a apenas um clique de distância do que iniciar uma conversa olho no olho. A tela nos blinda e, justamente por isso, também nos separa.
Pode ser menos complexo curtir a foto de alguém em uma rede social, reagir a um clique com carinha de corações e deixar o outro no mistério do que isso significa. Há quem acredite que seja interesse ou afeto. Antigamente, no entanto, precisávamos puxar papo na vida real ou ligar através daquele telefone de discar que tínhamos em casa. Sim, na minha juventude não havia celular nem Internet.
Curiosamente, lembro que a minha mãe sempre me contava de belas histórias que havia visto nos programas de tevê. Eram casais que se conheceram ao pegar o mesmo transporte diariamente, que se esbarraram na fila da padaria, que estavam no lugar certo e na hora certa para o amor nascer... Como canceriana, eu achava lindo. Mas difícil de acontecer. De alguma forma, eu acreditava no amor, mas não achava que ele estava tão disponível. Sempre o vi como raridade.
Talvez eu não soubesse com clareza, mas tinha em mente que esse sentimento não gosta das facilidades. Pode até nascer nas esquinas virtuais, em um desses esbarrões facilitados pelos algoritmos. Entre tantos rostos possíveis, um aparece para o outro e pronto! O encontro acontece. Parece realmente mágico e milagroso.
Mas, seja qual for a maneira de o amor nascer, uma hora ele escancara a sua complexidade. Talvez logo no início ele nos exija disposição para estar junto do outro. Só o desejo não basta, é preciso criar oportunidades de encontro. Vale a criatividade: piquenique, exposições, peças, shows, samba, barzinho... E até filme assistido juntos a distância — sim, quem quer compartilhar momentos até escolhe o mesmo horário para conferir algo na televisão e, assim, ir comentando com o seu par, mesmo que cada um esteja na sua casa. Parece que o amor é mesmo feito para os disponíveis e dispostos.
Afinal, haja disposição para encarar a realidade após a paixão. Somos feitos de rotinas, histórias e passados diferentes. E várias formas de amar. Há quem divida a vida, contas e um teto. Há quem divida a vida e histórias, mas more em casas separadas. Há casais em que um dos pares dorme facilmente e o outro demora a pegar no sono; em que um é mais doce e sentimental e o outro é mais pragmático e adepto de um humor mais irônico.
Há pares em que uma metade chora por tudo e outra por (quase) nada; em que um não tem religião e outro tem uma fé como herança da família. Enfim, há casais onde conviver com as diferenças é possível. E, nos dias de hoje, de tantas facilidades ilusórias, isso pode ser ainda mais difícil. Se você encontrar um sentimento cheio de complexidades pelo caminho, suspeite: pode ser o amor!