Nunca achei que seria tão próxima de um gato, ou melhor, de uma gata. No quintal de casa, sempre tivemos cachorros, que foram companhias constantes em nossas vidas. Todos eram grandes, aliás. Três deles eram da raça boxer, de uma mesma família, e ficaram conosco até envelhecerem e morrerem. Depois veio um pitbull, que foi adestrado e, justamente por isso, foi o mais obediente de todos. Ele também partiu e, em seguida, chegou o Bryan, o nosso pastor canadense, que acompanhou todo o crescimento dos meus dois sobrinhos, ganhou os nossos corações e se despediu já velhinho, no ano passado. Por aqui, todos choraram a partida dele: a família e o quintal.
Ele se foi para o céus dos cães e nos deixou uma herança: uma gatinha que havia adotado cerca de dois anos antes de morrer. No início, eu ficava intrigada com aquela relação, tão curiosa ao meu olhar. De repente, via o Bryan correndo atrás da felina e acreditava que ele queria capturá-la. Tolice a minha. Os dois já haviam feito amizade. Pouco a pouco, percebemos que eles não eram rivais, mas aliados. Ele deixava que ela chegasse perto do seu pote de comida e dosava a sua força na hora das brincadeiras para não machucá-la. Juntos, eram belos parceiros.
Logo começamos a comprar também uma ração para gatos, que entrou na lista de despesas mensais da casa. Até que o Bryan partiu, nos deixando lágrimas, saudades e uma missão: seguir cuidando da sua gata, que ficou pelo quintal. Cada vez mais manhosa, ela me conquistou com as suas gracinhas. Quando me vê, adora se esticar e mostrar sua flexibilidade felina ou faz questão de passar perto das minhas pernas. Gosta de atenção e, segundo dizem os fãs de gato, ela me adotou.
Há pouco tempo, resolveu andar pelos arredores e demorou para voltar para casa. Até que um dia, quando eu estava na cozinha, ouvi um miado vindo do terraço e não tive dúvidas: era ela! Reparei que a sua coleirinha rosa, que havia comprado durante uma viagem nas férias, estava bem sujinha. Logo adquiri outra, de tom laranja. E, quando a chamei para colocar o novo adorno em seu pescoço, pensei nas voltas que a vida dá. Por alguns instantes, ela recuou, mas em seguida deixou que eu colocasse o acessório.
"Nunca pensei que um dia eu estaria tão pertinho de um gato, colocando uma coleira nele", confidenciei ao meu namorado, naquele mesmo dia. E justifiquei: "Sempre achei que os gatos eram traiçoeiros e poderiam me atacar a qualquer instante". Gateiro assumido, ele logo comentou: "É mito".
Fiquei com vários flashes daqueles momentos na cabeça. Relembrei as cenas da gatinha com o Bryan, dela fazendo dengo, voltando para casa e deixando, calmamente, que eu lhe colocasse uma nova coleira. E também recordei o meu receio com os felinos. Foi preciso que o Bryan, por quem já nutríamos imenso afeto, me apresentasse a possibilidade de conviver com uma gatinha e entender que nem todas as narrativas que ouvimos ou crenças que nutrimos são verdadeiras. Essa história — que perdura até hoje no meu coração — mostra que as amizades que julgamos improváveis podem acontecer. Aliás, rótulos reduzem as possibilidades, em vez de ampliá-las. Que hoje, amanhã e sempre, a vida nos surpreenda e seja mais bela do que as nossas ideias preconcebidas. Feliz Natal!