Eu, é claro, logo desembrulhei o livro e já fui bisbilhotando. Várias frases de Clarice me convidaram à reflexãoArte: Kiko

Ainda era pré-Natal quando acordei e me dei conta de que havia alguns livros ao lado da cama. São leituras que quero percorrer novamente, terminar ou ainda iniciar. Ali, amanhecendo no meu cantinho, percebi que raios de sol teimavam em superar a barreira da cortina e do blecaute e iluminar os meus quadros na parede em frente. Dessa forma, eles também jogavam luz sobre duas pinturas em que estou desenhada e ganhei de presente.
Despertei com o pensamento de que muitas vezes li livros, jornais e revistas, mas fugia da leitura de mim mesma. Há em nós infinitos capítulos de uma existência que, muitas vezes, preferimos desconhecer. Eu já teimei na ideia de que era possível iniciar um novo episódio da minha vida sem tentar compreender os anteriores. E muitas vezes, repetia histórias com novas roupagens.
Entre aqueles livros ao lado da cama, um promete ser uma companhia constante no ano que está por vir. Conheci a obra 'Sentir um pensamento', da Editora Rocco, através dos Stories de uma psicanalista que admiro muito e resolvi me presentear com ele. O livro reúne frases de Clarice Lispector para as 52 semanas do ano. E mais: ele se transforma em um diário com reflexões através de perguntas e espaços em branco para que possamos preenchê-los com as nossas respostas, mesmo que as questões sobre sentimentos sejam tão complexas.
Eu, é claro, logo desembrulhei o livro e já fui bisbilhotando. Várias frases de Clarice me convidaram à reflexão. Será que o sinto em relação a elas hoje será o mesmo daqui a alguns meses? Aposto que não. "Há horas em que não se quer ter sentimentos", escreveu Clarice em 'Laços de Família'. Quem nunca quis deixar de sentir por alguns instantes? Eu já. Quis fugir especialmente das emoções que pareciam me dilacerar.
O diário pergunta qual o sentimento mais recente que eu experimentei. E fiquei pensando se posso isolar uma só emoção para contar. Em um mesmo período, há várias sensações em mim, em relações de trabalho, com os amigos e a família. A gente fica alegre, triste, perde a paciência e a retoma. São sentimentos que se dissipam, mais cedo ou mais tarde, e precisamos entender que eles gostam de estar em nós simultaneamente. Com o tempo, também aprendi que o problema não é sentir, mas se desmoronar com o que se sente.
Segui folheando o livro e admirando as frases de Clarice. Em 'A Paixão segundo G.H.', ela escreveu lindamente: "Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não era só isto, é exatamente isto".
Nas linhas ao lado, o livro deixa uma pergunta que me convida a refletir sobre o quanto consigo vivenciar a simplicidade do cotidiano. Hoje, posso responder que o meu olhar está voltado para a ver a beleza do dia a dia. Tanto que esta crônica nasceu quando acordei e percebi as sutilezas ao meu redor. Aprendi que não adianta estar em dia com todas as leituras do mundo se eu não prestar atenção à minha própria história.
Que 2024 seja um ano de belos capítulos e atenção ao que o coração insiste em nos dizer!