Afinal, sofremos demais quando tentamos seguir compassos em que não cabemos e, mesmo desajustados, insistimos em permanecer em uma melodia diferente da nossa essênciaArte: Kiko

O relógio apontava umas 10h na última segunda-feira quando deixei a Região Serrana de volta ao Rio. Era dia 1° de janeiro, esta data tão repleta de simbolismos e esperanças. Na despedida dos ares da serra, reparei que algumas pessoas faziam caminhadas ou corridas logo pela manhã. Estavam acompanhadas por alguém ou por si mesmas. Rapidamente, consegui olhar para um senhor, de roupa esportiva e grandes fones de ouvido. Ele dançava sozinho e talvez essa seja uma das grandes liberdades da vida: bailar segundo o nosso próprio ritmo. Afinal, sofremos demais quando tentamos seguir compassos em que não cabemos e, mesmo desajustados, insistimos em permanecer em uma melodia diferente da nossa essência.
Assim, com a imagem daquelas pessoas se exercitando, eu peguei o caminho de volta para casa. Desci a serra dirigindo o carro, ainda mais cautelosa do que costumo ser. Não tenho pressa de chegar. Há um ritmo para cada um de nós e eu sei qual é o meu. Para mim, a estrada é uma bela metáfora do que é a vida. Especialmente nesse percurso de volta para casa em 1° de janeiro, horas depois de reunirmos toda a nossa efusividade e esperança em dias melhores. Por mais que a gente saiba que cada um tem uma história e um ciclo particulares, essa virada de ano parece carregar uma magia. E a crença de que muita coisa pode ser diferente.
Fiquei pensando nisso ao dirigir de volta para casa: a cada quilômetro rodado, eu deixava um trajeto no passado e me aproximava ainda mais do futuro. O mais instigante é que o amanhã dos primeiros dias de janeiro é a volta para casa com toda a sua rotina. E como é bom rever a casa, retomar a série de tevê que ficou por terminar, passar o café do mesmo jeito de todos os dias e deitar na própria cama. Também é inevitável constatar que a realidade se mantém, mesmo com as questões que nos angustiam. Retornamos à vida de sempre após renovar os votos para o futuro. E nos damos conta de que o Ano Novo só renasce em nós a partir das nossas atitudes.
Foi isso que aprendi com a vida: mesmo que troque de CEP, não haverá garantia nenhuma de que minhas emoções mudarão também. A gente se ilude quando acredita que ir para longe nos afasta do que sentimos. Não é fácil, mas é linda a descoberta de que o nosso melhor lugar nunca esteve distante de nós.
Percebi também que nenhum projeto sairá do mundo dos sonhos simplesmente porque o relógio anunciou a chegada de 2024. O que não me impede de achar a virada de ano linda e mágica. Gosto do abraço deste momento, dos votos de bem-querer do dia 31 de dezembro e da gratidão genuína de um ciclo que chegou ao fim.
Há algum tempo, no entanto, não idealizo mais um novo ano só com acontecimentos felizes. Sei que ele inexiste. Peço saúde para ver a beleza da vida e seguir amando. E força para os momentos tristes. Há em mim algo de sonho e de pés na realidade. E assim vejo o Réveillon como uma linha de chegada para uma nova largada da vida. Os percalços, a velocidade, o ritmo e o cansaço são únicos, embora a caminhada seja também coletiva. E talvez ela fique ainda mais bela se fizermos igual ao senhor que dançava sozinho no primeiro dia do ano: o encanto acontece quando encontramos a nossa própria sintonia.