Fui até o perfil da atriz no Instagram e me chamou a atenção que embaixo do seu nome está escrito: human (humana), algo bem significativo para os nossos tempos atuais, em que a inteligência artificial promete até clones virtuais Arte: Kiko

Fazia um bom tempo que eu não assistia a uma produção com a Julia Roberts. Até que um dia desses conferi o 'O Mundo Depois de Nós', filme da Netflix estrelado e produzido por ela, que traz muitas questões a serem refletidas — mas não darei spoiler! O fato é que, além de tantas perspectivas abordadas pelos personagens, a obra me trouxe um alívio: ainda bem que a Julia Roberts é a Julia Roberts. Pode parecer óbvio, mas o que vi na tela é uma atriz que se revela com o seu tempo vivido. Visualmente, ela não se transformou em outra pessoa. Assim, ela pode de fato interpretar uma mulher da sua idade, 56 anos, porque as marcas de expressão são compatíveis com a sua trajetória.
Ao meu olhar de telespectadora, ela aparece (praticamente) sem maquiagem, totalmente de acordo com o papel que interpreta. Fui até o perfil da atriz no Instagram e me chamou a atenção que embaixo do seu nome está escrito: human (humana), algo bem significativo para os nossos tempos atuais, em que a inteligência artificial promete até clones virtuais.
Também me dei conta de que foi em julho de 1990 que o filme 'Uma Linda Mulher', com Julia Roberts, foi lançado. Já faz 34 anos e, de lá para cá, ela segue bela. No entanto, imagino que não seja fácil mostrar ao público, em diferentes ângulos, que o tempo passou. Acredito que todos nós tenhamos algum dilema para entender as nossas transformações. Há algo aqui e ali que gostaríamos de mudar. Imagina, então, amplificar tudo isso para muita gente? No entanto, envelhecer é o caminho para quem continua vivo.
Nesse percurso, vejo como desafio enxergar os procedimentos estéticos como aliados e não como uma fuga da realidade. Não é à toa que o equilíbrio é sempre uma arte na vida. Aliás, não me esqueço de uma entrevista em que Xuxa comenta que há quem se incomode com as suas marcas de expressão porque isso escancara que aqueles que um dia foram os seus baixinhos também estão envelhecendo — eu estou nessa turma aí.
O tempo realmente passa para todos, mas ainda é triste como homens e mulheres se julgam capazes de criticar o corpo do outro. Entre tantos comentários feitos à atriz Paolla Oliveira sobre o seu físico, vi o de um seguidor criticando a estética da Rainha de Bateria da Grande Rio e se justificando pelo fato de Paolla ter sido sua crush. Como se a atriz tivesse que arcar para sempre com a projeção do outro em relação a ela. Na verdade, suspeito que não conseguimos corresponder nem às expectativas que criamos sobre nós mesmos.
Com a minha escrita, torço para que o Carnaval não se renda às restrições, mas seja sempre uma festa de pluralidades, como vem mostrando a musa Jojo Todynho nos ensaios da Mocidade Independente. Também peço por um novo tempo em que os comentários sobre o corpo de alguém não sejam mais confundidos com opinião ou liberdade de expressão. Inclusive, acredito que poderíamos aderir à harmonização de palavras por uma convivência mais leve — o peso do julgamento é, sim, um dos mais danosos.
Mais do que nunca, sinto que precisamos nos libertar de teses que dizem que a nossa real beleza mora no passado, que a velhice é uma ofensa e que ter marcas de expressão é vergonhoso. Querem colocar a felicidade dentro de uma caixa em que não cabe muita gente.
Eu também já acreditei nisso em algum momento da vida: enquanto eu não tivesse o tal tipo físico, eu não teria plenitude. Felizmente, entendi que esse estado de espírito não se pesa na balança nem se retoca com cosméticos. Há muitas vidas e alegrias em diferentes corpos e rostos. E esperança! Ainda mais quando se percebe que a Julia Roberts é de fato a Julia Roberts: humana. Como todos nós.