Aquela contestação me fez pensar em como universos diferentes caminham paralelamente durante o decorrer de um diaArte: Kiko
Nossos mundos
Talvez a gente falhe por adotar sempre o discurso de "no meu tempo tudo era bom". Quando resistimos às novidades, criamos um obstáculo para entender os mais novos
Era um dia considerado útil para muita gente, daqueles que os bancos abrem, mas de folga para mim. O meu trabalho no jornal tem dessas coisas e me permite estar perto dos meus sobrinhos em uma segunda ou terça-feira à tarde, por exemplo. Assim aconteceu recentemente. Estava sentada no sofá da sala quando o mais velho, de 17 anos, me perguntou: "Carla, você conhece o SnapChat?". Respondi que não e ele logo emendou: "Baixa o aplicativo aí no celular". Ele prosseguiu me dizendo que iria me mostrar o mundo e lá fui eu me aventurar em mais uma rede social.
Com a sua agilidade para mexer no aparelho e também no aplicativo, não foi difícil seguir o passo a passo inicial. Rapidamente, ele me orientava sobre quais permissões aceitar e como criar o meu avatar na nova rede. Ou seja, como fazer uma representação de mim mesma. Bastou tirar uma foto minha no SnapChat e ir adaptando com as opções que o aplicativo me apresentava, de óculos, roupas, brincos e afins.
Achei curioso que o símbolo da tal rede fosse um fantasminha. Deve ser porque, de tempos em tempos, as mensagens desaparecem. Tudo ali parecia ser efêmero. Nessa rede, aliás, tenho pouquíssimos amigos — três para ser mais exata: os meus dois sobrinhos e a minha irmã. Logo vi um mapa, em que você consegue saber a sua localização em comparação aos seus outros conhecidos por ali.
Feita a minha apresentação ao Snapchat, o meu sobrinho seguiu para os seus estudos da tarde, em outra parte da casa. Não demorou para uma notificação saltar no meu celular, informando que havia uma foto dele. Era um registro do laptop, onde ele assistia a uma videoaula com exercícios de Física Elétrica, disciplina que ficou bem apagada na minha memória de estudante de Humanas. Tentei capturar a tela do celular para salvar aquela imagem e... não é que o aplicativo me dedurou? Apareceu uma mensagem que eu havia tirado um print do bate-papo! Parece que tudo o que é compartilhado no Snapchat fica no Snapchat.
Pelo pouco que vi, entendi que fotos dos meus amigos aparecem ali na tela e eu posso comentar com eles em conversas individuais. Assim, acordei no dia seguinte e já havia uma imagem feita pelo meu sobrinho, de antes das 7h, daquele vaivém da entrada da escola. E foi aí que eu me dei conta do que realmente significava aquela frase de que ele iria me apresentar o mundo a partir do Snapchat. Na verdade, era o mundo dele!
Aquela contestação me fez pensar em como universos diferentes caminham paralelamente durante o decorrer de um dia. Enquanto eu ainda dormia, ele já havia acordado e assistido a uma ou duas aulas. Da mesma forma, enquanto estou trabalhando, ele está realizando outra atividade. A gente definitivamente precisa lembrar que o mundo não existe apenas a partir da nossa perspectiva.
Também fiquei pensando em quantas vezes criamos barreiras entre grupos diferentes pelo simples fato de não termos a mesma idade. As gerações dos meus sobrinhos nasceram com as redes sociais; a minha só conheceu o mundo virtual na fase adulta. No fim das contas, acredito que todos nós ainda estamos tentando entender o que fazer com elas.
Talvez a gente falhe por adotar sempre o discurso de "no meu tempo tudo era bom". Quando resistimos às novidades, criamos um obstáculo para entender os mais novos. Até o meu pai, com os seus 73 anos, comentou outro dia: "Estou aqui vendo o meu TikTok".
Tudo isso me faz pensar em algo que guardei das aulas de Matemática, nos bancos escolares, quando falávamos de intersecção. Não vou me atrever a explicar esse conceito na ciência exata, mas na vida eu diria que precisamos de uma junção entre os diferentes universos. Para que um possa apresentar o seu mundo ao outro. No Snapchat e, principalmente, nos encontros reais.
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