A cena daquele garoto também me fez pensar nas infinitas vezes em que buscamos equilíbrioArte: Paulo Márcio
Pedalando sem rodinhas
Além disso, toda essa história de bicicleta sem rodinhas me fez lembrar dos meus primeiros tombos da vida. Os reais mesmo. Que deixavam o joelho sangrando até formar casquinha
Pouca coisa parecia ter voltado ao seu funcionamento normal na manhã de Quarta-Feira de Cinzas quando uma voz infantil quebrou o silêncio daquele espaço sem a passagem de carros e chamou a minha atenção: "Pai!". O chamado vinha de uma brincadeira. Olhei naquela direção e, então, percebi a cena: um menino, que não sei precisar a idade, tentava andar sem rodinhas em uma bicicleta. O pai, sempre ao lado, era a garantia de que ele não iria levar um enorme tombo. Fiquei alguns instantes reparando na busca do pequeno de se equilibrar sozinho no brinquedo enquanto a mão do adulto, segurando o banco ou parte da estrutura da bicicleta, lhe dava a segurança necessária para seguir adiante.
Aliás, deveria ser direito de todos os pequenos ter alguém para ajudá-los a não cair pelo caminho. Ou para ampará-los quando o primeiro tombo for mesmo inevitável. Ali, aquele menino vivia uma transição entre as rodinhas que lhe davam estabilidade e uma nova fase: a de se lançar ao mundo sem elas. Eu já tive a mesma sensação nos desafios da vida. Talvez, já crescida, eu não tivesse ninguém fisicamente por perto, mas em algum momento eu sentia que sempre haveria para onde voltar e ter amparo. Na verdade, imagino que há alguma presença mágica que não me deixa desabar. Sou mais feliz assim: vendo além do concreto.
A cena daquele garoto também me fez pensar nas infinitas vezes em que buscamos equilíbrio. O menino que pendia mais para um lado ou para outro também sou eu quando busco a dose certa entre o descanso e o trabalho; a doçura e a bravura, a força e a fragilidade. Vez ou outra, extrapolamos um pouquinho em um dos lados e, pronto, a balança fica desigual e inclina-se para uma das extremidades. E lá vamos nós de novo tentar andar na bicicleta da vida sem cair.
Aliás, tenho feito muito isso. Seja nas redes sociais, em que quero interagir mas não ser dominada por elas. Seja nos exercícios físicos, que quero praticar com suor, mas na base do amor. Seja na hora de provar quitutes, saciando a vontade de experimentar novos sabores, mas sem perder de vista uma alimentação saudável. Seja aqui na escrita, em que procuro ser poética e realista, relevante e simples. Às vezes, o que buscamos nem são opostos de fato.
Entre erros e acertos, sei que muitas vezes desequilibrei a balança das emoções. Chorei demais em alguns momentos. Dei dimensões enormes para algumas tristezas. E, na mesma proporção, festejei alegrias. Sou das intensidades e devo isso ao meu lado canceriano. Também levo as palavras muito a sério — não à toa trabalho com elas. Por outro lado, algumas pessoas dizem que eu pareço um meme com as minhas expressões. E assim eu busco o equilíbrio para não ser tão rígida com o que me dizem e o que guardo no coração. Talvez a gente precise se conformar que somos realmente feitos para oscilar.
Além disso, toda essa história de bicicleta sem rodinhas me fez lembrar dos meus primeiros tombos da vida. Os reais mesmo. Que deixavam o joelho sangrando até formar casquinha. Essa experiência, muito comum na infância, me remete a um aprendizado da vida adulta: por mais que seja tentador, não adianta tentar tirar a casquinha do machucado de uma queda antes da sua cicatrização completa. Com uma dose de paciência, ele vai sarar. Para a gente seguir se reequilibrando por aí.
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