Nunca mais me esqueci dessa cena que revela tanto da nossa impaciência em aguardar, seja lá qual for o caminho. Aliás, a espera ativa por algum desejo é a que pode nos levar além: nós seguimos caminhando e não de braços cruzados Arte: Kiko

Era uma dessas manhãs de outono. Enquanto eu parava o carro em um estacionamento de Duque de Caxias para ir ao pilates, o locutor da rádio começou a ler uma reflexão sobre a arte de esperar e o quanto desaprendemos a praticá-la. Talvez eu estivesse em cima da hora ou atrasada para a aula, mas fiquei alguns minutos a mais no meu pequeno possante aguardando o fim daquele pensamento. Curiosamente, aquelas palavras seguiram comigo pelo meu caminho.
A espera realmente nos exige uma parada. Nem que sejam alguns minutinhos a mais no carro para ouvir o locutor terminar suas considerações. Pena que a gente viva em um mundo de tantos estímulos e cliques que a pausa é praticamente descartada. A gente se irrita com a tecnologia que emperra, seja no celular ou no laptop. Optamos pelo famoso 'liga e desliga' para ver se dá certo logo, tentamos postergar as atualizações que nos sugerem, deixamos a caixa de e-mail lotar de mensagens — eu pelo menos acumulo um bocado delas e talvez seja mais confortável imaginar que mais gente tenha esse hábito.
Não é à toa que sempre buscamos os processadores mais ágeis para os nossos aparelhos. Queremos clicar em algo e ter a resposta daquele comando imediatamente. Mas se até os itens modernos podem desacelerar em algum momento, por que nós, humanos, daríamos conta de tudo sem parar? Sinto que queremos falar, responder, resolver, executar: tudo ao mesmo tempo agora. E custamos a admirar as paradas e o ócio, aquele tempo em que acreditamos que nada acontece mas que é muito produtivo para a mente.
Eu, por exemplo, vou nutrindo reflexões até que elas se transformem em escrita, como se estivesse esperando o ponto certo para tirar um bolo do forno. Da mesma maneira que espetamos um palito de dente ou garfo para ver como está a massa, eu vou moldando as palavras até que elas estejam pronta para crescer em forma de texto.
Foi assim que resgatei uma memória afetiva de um desenho que amava ver quando era mais nova. Em um dos episódios dos Smurfs, o grupo seguia por uma longa caminhada com o Papai Smurf à frente quando um deles lhe perguntava: "Falta muito, Papai Smurf?" O veterano dizia que não, que estavam quase chegando ao destino. Mas aí vinha a pergunta novamente: "Falta muito, Papai Smurf?" E ela era repetida em um looping eterno. Até que o líder do grupo não resistia: "Falta, falta muito!"
Nunca mais me esqueci dessa cena que revela tanto da nossa impaciência em aguardar, seja lá qual for o caminho. Aliás, a espera ativa por algum desejo é a que pode nos levar além: nós seguimos caminhando e não de braços cruzados.
No entanto, confesso que entendo muito bem os smurfs. Eu também já quis saber o quanto faltava para chegar a algum lugar. Quanto tempo terei de esperar para voltar a sorrir, a amar, a ter uma saudade menos dolorida? Aguardar é sempre um desafio e tanto! Talvez todos nós sejamos um pouco como os simpáticos personagens azuis do desenho, impacientes na caminhada pelo destino final. A gente sempre espera por algo durante uma jornada. Basta dizermos que não desejamos criar expectativas e já estaremos com a expectativa de não ter uma expectativa. Nós andamos pela vida no aguardo de algo. Afinal, quem nunca desejou saber: "Falta muito?"