Gosto da constatação de que cada um de nós lida com um acontecimento de modo diferente. Quero ouvir de onde a pessoa veio, que caminhos trilhou, o que ama, o que a move no mundoArte: Paulo Márcio

Certa vez, alguém comentou que uma amizade minha parecia muito improvável. Como se a gente pudesse determinar matematicamente a probabilidade de duas pessoas se darem bem. Ou como se a gente fosse capaz de avaliar as pessoas pelo que julgamos que elas são e, a partir daí, concluirmos se elas podem ou não ser amigas entre si.
Eu me lembrei dessa história ao pensar que hoje, felizmente, posso ir a lugares totalmente diferentes entre si e, mesmo assim, ver beleza em todos eles. Afinal, gosto de ver gente, ouvir gente, estar com gente, observar gente... E gente é diversidade, pluralidade, por mais que o algoritmo insista em nos colocar em bolhas e parte do mundo nos diga que devemos odiar as diferenças.
Assim, vejo beleza em um café com bolo da tarde antes de uma missa no domingo à noite; em um passeio com crianças; em brindes com vinho, café ou água; na musculação em dias de feriado; ou em um feriado de São Jorge com samba e amizade.
Em todos os lugares, vejo gente e isso me estimula. Foi o que aconteceu quando passei de carro por uma rua agitada no dia da festa do Santo Guerreiro e meu olhar se virou para o homem na calçada, sentado de costas para a rua em uma daquelas cadeiras de plástico de bar. O início da oração estava evidente na parte de trás da blusa vermelha: "Eu andarei..." Nem precisei ler o restante porque já sabia o que vinha depois: "... vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não me vejam e nem em pensamentos eles possam me fazer mal".
Naquele dia, gostei de passar pelas pessoas, ver o povo vestido de vermelho e branco e o bebezinho usando body vermelho no colo de um homem que imaginei ser o pai. Também amei quando ouvi uma senhora dizer: "Quero aproveitar minha velhice. Não quero morrer cedo". E, depois, em outro ponto, fiquei admirando outra senhora, de cabelos grisalhos, cantando alegremente e me contando: "Antigamente, o meu apartamento vivia repleto de adolescentes. Sempre foi assim".
É isso que me atrai em um lugar: a conversa com quem tem alegrias, tristezas, dilemas, angústias e quase certezas. Com gente como a gente! Gosto da constatação de que cada um de nós lida com um acontecimento de modo diferente. Quero ouvir de onde a pessoa veio, que caminhos trilhou, o que ama, o que a move no mundo. Eu capto isso em relances de vida que passam perto de mim, como na mulher que disse que não quer morrer cedo e deseja aproveitar a velhice. Na história do padre que revitalizou a paróquia com muitas ações envolvendo a comunidade na Ilha do Governador. Ou na volta para casa, depois do samba, com a amiga de uma amiga, que me fala sobre as faculdades que cursou e os seus sonhos profissionais.
Deveria ser tão óbvio o fato de sermos humanos e gostarmos de gente. Mas, infelizmente, há gente que escolhe somente um tipo de gente para gostar. A boa notícia é que a vida está aí, todos os dias, para nos mostrar que a existência é feita de diferenças e sofre mais quem resiste a isso. Sejamos múltiplos com as nossas individualidades!