Pensei, então, em alguns dos questionamentos que aprendi a fazer de uns tempos para cá: de onde vem a tristeza e que caminho ela percorre dentro de mim?Arte: Paulo Márcio

Outro dia, recebi dois livros infantis. Vieram pelos Correios e eu esperava por eles com certa ansiedade. Quando chegaram, abri o embrulho e percorri rapidamente o olhar pelas suas páginas. Um deles se chama 'Bichos de Nuvem', de Marcelo Moutinho, com ilustrações de Luci Sacoleira. Conta a história de Dora, a menina que, ao lado do pai, se encanta ao ver desenhos feitos pelas nuvens na imensidão azul. "Ficaram até quase o anoitecer com os olhos plantados no espaço", diz um trecho da obra. Achei linda essa ideia de cultivar a visão lá no alto, certamente com o adubo feito de magia. Também achei curioso que a ilustradora contou ter nascido em Fortaleza, onde "o céu é quase sempre azul, com nuvens brancas a sobrevoar todas as cabeças". O encantamento de Luci também é o de Dora, que lida com uma decepção em determinado momento da narrativa.
O outro livro também é uma graça! Os dois, aliás, são da mesma editora, a Pallas. Em 'A Casa das Vogais', de Henrique Rodrigues com ilustrações de Bruno Nunes, as letras em questão habitam um lar e ganham vida, com pernas, braços e olhos, em uma divertida brincadeira de aprendizado. "Na cozinha, fritando um filé, encontramos a letra E", diz uma parte da obra, acompanhada por um desenho em que a vogal tem braços enormes segurando uma frigideira. Fiz questão de mostrar para a minha cunhada, professora da Educação Infantil. Ela também amou! No fim do livro, algo me chamou a atenção: no lugar de fotos do autor e do ilustrador, havia desenhos deles. Tudo muito lúdico e colorido.
Por um tempo, fiquei pensando como é bom ter uma infância em que o imaginário é preservado. Eu, felizmente, tive uma assim. Tenho recordação de criar na minha mente amigos que ninguém via, mas com quem eu falava. Deve ser por isso que até hoje fico criando diálogos na minha mente. Faço isso com a gata Zorah, ou simplesmente Zorazinha, como a chamo carinhosamente. Ela é considerada ranzinza, mas eu me impressionei com a forma como se mostrou amorosa, do modo dela. Assim, falo em voz alta o que imagino que ela possa me dizer: "Eu sou sociável, né, tia? Só não gosto de gente me apertando a todo instante".O meu amor diz que sou engraçada; o meu professor na academia me acha boba. E eu considero as duas características como elogios.
Por outro lado, penso que nem todas as crianças têm esse direito preservado. Para elas, a realidade é tão dura e cortante que o lirismo se ausenta. Isso me faz lembrar do post de um artista que vi outro dia no Instagram. Ele havia postado um vídeo em que aparecia pintando minúcias de uma vegetação, com os diferentes tons de verde. Dizia que, quando teve depressão, não conseguia pintar detalhes. Havia perdido a capacidade de se alongar em uma simples nuance. Em tempos ansiosos, também queremos pular logo para o fim, sem nos deliciarmos com o processo. As dificuldades nos impedem de ver encantamento.
Curiosamente, eu me deparei outro dia com um vídeo do psicólogo Alexandre Coimbra Amaral no Instagram sobre o filme 'Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa' e a necessidade de a gente "reencantar a vida". Uma missão nada fácil em momentos tão áridos. Ele, inclusive, está lançando um livro infantil, 'De Onde Nascem as Perguntas?', ilustrado por Jonathas Martins, da Editora Melhoramentos. E cita uma das páginas da obra de que mais gosta: a de número 22. Nela, a criança diz: "Comecei a aceitar que a gente não precisa entender tudo sobre a vida para aproveitá-la. Então, fui brincar com a dúvida". Assim, Alexandre nos instiga a fazer perguntas, por mais que as angústias não se resolvam imediatamente.
Pensei, então, em alguns dos questionamentos que aprendi a fazer de uns tempos para cá: de onde vem a tristeza e que caminho ela percorre dentro de mim? Também tenho o instinto de querer saber quanto tempo ela vai durar, mas sei que é bobagem tentar que vá embora antes da hora. Por fim, indago para onde ela vai depois que a gente se despede. Na minha fantasia de criança grande, prefiro crer que existe um céu das tristezas, onde elas se transformam em memórias. Assim, um dia a gente pode até plantar os olhos no espaço e vê-las de novo, já cicatrizadas.