Deslizamento em Petrópolis: medidas de alerta foram adotadas, mas o Rio precisa de ações planejadas contra tragédias do clima Tomaz Silva/Agência Brasil

Todos os verões, o Brasil assiste ao mesmo roteiro: chuvas fortes, deslizamentos, rios transbordando, casas soterradas, vidas interrompidas. A cada janeiro, fevereiro ou março, a palavra “imprevisível” volta ao noticiário. No estado do Rio de Janeiro, pelo menos 30 municípios têm áreas vulneráveis. Isto significa que, quando as chuvas chegarem, há uma grande probabilidade de assistirmos a tragédias que ganharão destaque nos noticiários. Famílias perdendo tudo o que construíram. Pessoas enterrando entes queridos, vítimas de uma tragédia anunciada.
Cidades da Região Serrana, marcadas para pela tragédia de 2011, seguem convivendo com moradias nas encostas, falta de fiscalização sobre ocupações irregulares, obras de drenagem eternamente adiadas e pouca estrutura de Defesa Civil. Milhares de moradias foram construídas a menos 30 metros de distância do chamado “leito regular” dos rios.
Em Nova Friburgo, onde centenas de vidas foram ceifadas pela enxurrada e pelos deslizamentos de terra, moradores continuam vivendo em áreas de alto risco 14 anos depois da catástrofe — alguns porque não têm alternativa, outros porque o poder público falhou em garantir novas moradias.
Municípios são a linha de frente: é neles que a chuva cai, que a encosta desliza, que o rio inunda. Mas são também os que menos arrecadam e que mais dependem da articulação com governos estadual e federal. Sem um município forte, com equipes técnicas permanentes e orçamento para prevenção, a política de desastres vira improviso.
O Governo do Estado desenvolveu o Atlas Digital de Desastres e Riscos, que analisou a situação dos municípios e identificou áreas críticas. É um avanço importante, mas insuficiente. Listar os riscos não basta — é preciso acompanhar, exigir, fiscalizar e financiar ações de mitigação. Cabe ao estado ser o articulador estratégico: orientar tecnicamente, garantir recursos, estabelecer padrões mínimos e cobrar resultados. Sem esse papel de coordenação, cada município age como pode — ou não age.
Nenhuma política robusta de prevenção sobrevive sem financiamento contínuo — papel da União, dos estados, dos municípios e também da população, que por vezes ignora os alertas das autoridades e constrói em áreas vulneráveis. Mas, no Brasil, prevenção ainda recebe migalhas se comparada ao volume de recursos enviados após o desastre, quando vidas já foram perdidas. A conta é simples: prevenir é mais barato que remediar.
O governo federal tem avançado em programas de mapeamento de risco, monitoramento por satélite e sistemas de alerta, mas isso não substitui investimento direto em contenção de encostas, drenagem urbana, saneamento básico, habitação segura e reflorestamento de áreas sensíveis. A União precisa assumir que eventos climáticos extremos são parte da nova realidade e devem estar entre as prioridades de investimento público, não como exceção emergencial, mas como política permanente.
O próprio Brasil já experimentou políticas bem-sucedidas. Petrópolis, após 2011, reestruturou seu sistema de alertas e investiu em monitoramento e sirenes. Curitiba (PR), com drenagem urbana planejada, parques que funcionam como bacias de contenção e investimentos contínuos, reduziu drasticamente enchentes históricas. Blumenau (SC), após décadas de inundações recorrentes, implantou sistemas de barragens e monitoramento avançado do rio Itajaí-Açu, tornando-se referência nacional. Campos dos Goytacazes investiu num sólido programa de habitação social, com a construção de milhares de casas para abrigar famílias que viviam em áreas de risco, desocupando áreas que sofriam com enchentes.
As soluções existem. Custam dinheiro, mas são investimentos necessários para impedir que tragédias aconteçam — ou, pelo menos, minimizar seus efeitos ao máximo. Enquanto estados, municípios e União continuarem tratando prevenção como gasto, o que se repete não é apenas o clima, mas também a negligência. E, junto com ela, o sofrimento das mesmas famílias, nas mesmas encostas, nas mesmas cidades. O Brasil não pode aceitar que o próximo desastre seja anunciado em mapas e ignorado nos orçamentos.