Maria Gal fala sobre sua trajetória e o papel transformador da arte na luta contra o racismoFoto: João Wesley/ Divulgação - Stylist: Rodrigo Barros - Beleza: Yago Maia
Ter a responsabilidade de falar de nossas memórias, trazendo diversidade através do audiovisual, é um dos meus grandes propósitos. E claro que isso tem um alcance maior, no mês da Consciência Negra. Eu criei a Move Maria, minha produtora de audiovisual, com o intuito de abordar temas relevantes e de suma importância para a sociedade, em especial os temas ligados à diversidade. Estamos em uma fase muito inicial de letramento. Portanto, trazer personalidades, lugares e hábitos que nos foram escondidos e que a gente pode revelar através do nosso trabalho, é fundamental.
A sua jornada, desde o Teatro Vila Velha e Bando de Teatro Olodum até hoje, mostra uma valorização da cultura negra. Como você vê o papel do teatro e das artes na luta contra o racismo?
As artes, no geral, desempenham um papel fundamental na luta contra o racismo, pois conseguem dar voz a narrativas que muitas vezes são silenciadas ou ignoradas, além de evocar emoções e criar conexões humanas. Por exemplo, ao apresentar personagens e histórias que refletem a diversidade da sociedade, conseguimos quebrar estereótipos e promover uma maior compreensão das realidades vividas por pessoas de diferentes etnias e culturas. E muitos artistas, assim como eu, usam suas redes para abordar questões raciais diretamente, participando de movimentos sociais ou criando obras que desafiam as normas estabelecidas, inspirando outros a se envolverem na luta contra o racismo.
O programa Preto no Branco, que você apresenta, abre espaço para diálogos sobre questões raciais. Como surgiu a ideia de fazer o programa e o que mais você gostaria de explorar com essa plataforma?
Preto no Branco surgiu da necessidade de se debater o protagonismo negro, de se promover a inclusão do tema em diferentes espaços. Costumo dizer que se trata de um programa de letramento disfarçado de talk show. Ele foi pensado após vários acontecimentos e manifestações ocasionados pelo assassinato de George Floyd, do músico Edvaldo dos Santos e da menina Agatha dos Santos, todas tragédias decorrentes do racismo. O intuito do programa é ampliar a discussão sobre pautas raciais e conscientizar a população sobre esses assuntos tão urgentes e necessários em nossa sociedade.
Em As Aventuras de Poliana, você deu vida à Gleyce, uma personagem que aborda temas como inclusão e preconceito. Como foi interpretar essa personagem e o que ela representa para você?
Gleyce foi um grande presente da autora Íris Abravanel. Depois de ficar viúva de forma trágica na primeira fase da história e ter sido obrigada a criar os filhos sem a presença do pai, a personagem deu a volta por cima fundando uma ONG e se casando novamente. Foi uma honra poder mostrar o empoderamento e o ativismo da Gleyce, representando tantas mulheres que são chefes de família e criam os filhos com tanto amor e dignidade.
Sabemos que além de atriz, você atua como produtora em diversos projetos. O que a motiva a se envolver também por trás das câmeras e como isso impacta sua visão sobre representatividade?
A Move Maria nasceu para romper padrões e trazer pessoas negras ao protagonismo da produção, na frente e por trás das câmeras. Essa minha jornada enquanto essa mulher empreendedora e empresária veio inicialmente por sobrevivência. Sou uma mulher, preta, retinta e de lábios grossos, nariz largo… A gente sabe o quanto nós somos invisíveis em diversos postos, inclusive no audiovisual, na TV e no cinema. Teve um fato, muito marcante para mim, quando eu fui preterida em um teste no qual participei com uma atriz branca, no qual o diretor optou por ela porque, segundo ele, o tom da pele dela era mais comercial do que o meu. Ouvir isso foi devastador. Fiquei arrasada, chorei muito. Mas ali eu entendi que era preciso “arregaçar as mangas” e gerar oportunidades tanto para mim quanto para outras mulheres como eu no audiovisual. E assim o fiz!
Em uma carreira tão rica em personagens e projetos, quais são os papéis e histórias que você sonha em levar para o público?
Um dos meus grandes sonhos está prestes a se tornar realidade: interpretar a escritora, compositora e poetisa brasileira Carolina Maria de Jesus. Não só por conta do que ela representa para nós, mulheres negras, mas também por ser uma responsabilidade enquanto cidadã e artista. Entendendo que o filme propõe um diálogo com o público, a gente quer realizar este filme justamente respeitando esta jornada maravilhosa da Carolina, autora publicada em mais de 40 países e em 14 idiomas.
Muitos jovens negros têm se inspirado em você para seguir uma carreira nas artes. Que conselhos daria para quem está começando e enfrenta desafios como racismo e falta de oportunidades?
A primeira coisa é acreditar em si mesmo, confiar no seu valor e nas suas habilidades. O racismo estrutural, ainda tão forte em nossa sociedade, pode tentar minar sua autoestima, mas lembre-se de que você tem o direito de ocupar espaços e ser ouvido. E invista em sua educação, leia sobre a
história dos nossos ancestrais, nada melhor do que conhecer a nossa própria história. Enfim, as dificuldades irão surgir, mas continue seguindo em frente. Cada obstáculo superado é uma conquista!
Ao longo de sua trajetória, quais foram os momentos mais desafiadores e gratificantes para você, tanto pessoalmente quanto profissionalmente?
Sua atuação em projetos internacionais, como a série 3%, ajudou a expandir a visibilidade de atores negros no exterior. Quais são os próximos passos para você no cenário internacional?
Essa é uma jornada bem complexa, porém ainda prefiro não falar sobre neste momento.
Você começou seu canal no YouTube, o Ponto de Vista, abordando temas como empoderamento e racismo. Como é o retorno dos seguidores e o que você ainda deseja debater nesses vídeos?
Não produzo mais o canal. Atualmente trabalhamos apenas com Instagram, TikTok, e LinkedIn.
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