
O que tem sentido na reação do público de sua personagem na novela?
A reação do publico tem sido maravilhosa. Acho que essa reação tem sido uma resposta da própria sociedade de entender os direitos e espaço das pessoas trans, que tem sido muito violado.
Depois de Abel (Pedro Carvalho) renegar Britney ao descobrir que ela é trans, você acha que eles merecem ficar juntos?
O Abel não necessariamente renegou a Britney. Acredito que é mais um processo de inocência do que preconceito. Claro que a gente não pode ficar camuflando uma coisa na outra. Eu acredito que eles fiquem juntos porque acho que o amor nessa relação é verdadeiro, não é só fogo de palha, um interesse ou um desejo. É uma relação que tem tudo pra dar certo por causa do sentimento que um tem pelo outro.
O que você acha da atitude de produções audiovisuais abrirem espaço para atores trans?
Não Acho que tenha demorado para abrir, mas demorou para ficar consistente o espaço das pessoas trans como produtoras de discurso. É a oportunidade que a sociedade tem de se reintegrar e se reconhecer.
Muitas mulheres trans não tem apoio na família, não conseguem espaço no mercado de trabalho e tem como única opção se prostituir. Você já passou por essa situação?
Eu nunca passei por essa situação. Mas tive muitas amigas que passaram por isso. Essa função não tira a dignidade de ninguém, porém é uma atividade de risco. Eu não incentivo ninguém a ter essa profissão mas não por uma questão moral, e sim por uma questão da integridade física e psicológica. A gente precisa sim ter um esforço social de conseguir que as pessoas trans se envolvam com outras atividades. Para transpassar essa barreira é necessario o esforço de absorver a capacidade desses indivíduos.
Recentemente, Thammy Miranda postou uma foto de sunga, o que levantou suspeitas de um implante peniano. O fato é que a imagem quebrou a internet. Por que acha que as pessoas tem tanta curiosidade em saber sobre o corpo de um (a) trans?
Todo o preconceito sobre as pessoas trans está baseado muito na questão biológica e corporal. Não é uma simples curiosidade, é uma perseguição sistemática. Quando é superado o preconceito aí se torna um sensacionalismo. Essa barreira também temos que superar.
Quando descobriu ser uma mulher?
Eu nunca descobri. Eu sempre fui mulher e sempre tive essa percepção desde muito jovem, desde criancinha, desde nenenzinha (risos).
Teve conflitos psicológicos por isso, ou se aceitou de cara?
Acho que é impossível de falar em transexualidade, ainda mais neste momento histórico, e não falar nos muitos conflitos que a gente tem, que não são coisas naturais nossas e sim conflitos implementados através de uma sociedade preconceituosa, machista e violenta. Isso é um fato. Por mais que a gente quer tampar o sol com a peneira, falar de transexualidade é ainda falar de muitas violências e agressões. Acredito que não só eu, mas toda pessoa trans ainda passa por muitos conflitos pessoais, até, realmente, não se adequar a sociedade e sim ser feliz.
Foi uma decisão difícil se assumir para a família? Eles tiveram resistência?
Não foi difícil se assumir porque nós vivemos num processo de vida juntos. Fui crescendo, amadurecendo e junto disso veio todo um lance de intimidade, proximidade e amor. Minha família é meu pilar central na profissão, na pessoa que sou e em tudo aquilo em que acredito.
Ainda está em fase de transição? Se sente uma mulher completa?
Eu tenho uma visão bem complexa sobre o que é uma fase de transição. Transição todo ser humano está. Eu me sinto mulher completa e realizada. Ser trans não está atrelado simplesmente a se transformar em algo. Ser trans é uma especificidade da vida, um evento da vida humana bem específico, e não uma transição.
Qual parte da transição é mais complicada?
A parte mais complicada de tudo que abrange uma vida trans são os processos burocráticos. O Estado e muitas instâncias tem uma resistência muito grande de aceitar a cidadania trans. Agora, a gente vê uma facilidade, alguns orgãos estão abrindo espaço para as pessoas trans. A maior dificuldade ainda é a que rege a documentação.
Ainda há alguma coisa de Daniel (identidade antiga) em você?
Eu sou a mesmíssima pessoa, sempre fui. Mas tenho direito não só a me identificar, mas tenho direito a me desenvolver como mulher. Já sou adulta, indo para uma nova fase. Isso também é um tabu que a sociedade cria. Nenhuma pessoa trans era uma coisa e deixa de ser outra.
Se te oferecessem quantias milionárias para cancelar a transição e voltar a ser Daniel. você aceitaria? Por quê?
Isso não existe, não vai existir e não existiu. As pessoas mal tem dinheiro para manter a própria vida, quem dirá me oferecer dinheiro para fazer algo impossível.
Como você lida com seu passado?
Com orgulho amor e carinho. De imaginar que tudo que eu passei não só me fez mais forte, mas me deu a possibilidade de me amar e amar muito mais ainda as pessoas à minha volta. O sentimento de capacidade, de respeito e carinho só se desenvolveu em mim a partir das experiências que tive. Tenho muito orgulho do meu passado.
Já sofreu preconceito por ser trans? Qual a ocasião mais difícil que passou?
Infelizmente, o preconceito todos nós passamos. Mas não dou valor às experiências com preconceito porque acho que ficar dividindo isso na mídia não constrói em nada, só soma mais sensacionalismo.
O que você falaria se encontrasse hoje com uma pessoa que te humilhou no passado?
Eu não tenho nada a dizer. Tenho a falar é com todas as pessoas que abram seu coração e entendam que respeito não é só pra gente. O respeito é um exercício para que nosso espaço de convivência seja mais amplo, sem medo ou opressão.
Você está namorando? quem é o (a) felizardo (a)?
Já não me sinto mais namorando e sim começando a vida de casada. O nome do meu companheiro é Luis Gustavo e estamos juntos desde o início do ano. Estamos muitos felizes e animados com esse momento todo da novela.
Você já teve receio de contar que é trans para um (a) namorado (a) assim como a Britney?
Nunca tive receio porque acho que isso é algo muito particular da pessoa trans. Qualquer cidadão tem o direito de se expressar quando quiser. Acho que pessoa trans nenhuma tem que se expor a situações desnecessárias. Precisamos nos proteger. Nunca tive receio de contar, mas também sei que sempre fui mais extrovertida.
Você já teve um relacionamento abusivo? Chegou a rolar agressões?
Tive alguns relacionamentos dos quais não foi possível continuar. Infelizmente em alguns momentos se tornaram abusivos por parte desses companheiros sim. Quando a relação se torna abusiva, tóxica e pesada a gente tem que procurar, apoio, ajuda e carinho.
Você tem vontade de ser mãe? Já pensou nisso?
Morro de vontade de ser mãe. É um grande sonho que tenho. Mas neste momento acho uma responsabilidade muito grande, eu preciso organizar outras coisas da minha vida profissional e pessoal, inclusive no meu relacionamento, da gente se preparar para este momento de ser pais.