Os carnavalescos da Viradouro Tarcisio Zanon e Marcus Ferreira - Luciano Belford
Os carnavalescos da Viradouro Tarcisio Zanon e Marcus FerreiraLuciano Belford
Por O Dia
A estreia no Grupo Especial do Carnaval do Rio não poderia ser melhor para os carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. Eles quebraram um jejum de 23 anos da Viradouro e, decididamente, afastaram a desconfiança de que a aposta da diretoria pelos novatos para substituir Paulo Barros tinha sido um erro. Casados, os dois falaram da emoção do título, do uso da criatividade no lugar do luxo, da escolha do enredo e Marcus ainda revelou um sinal que recebeu do destino no virada do Ano Novo sobre a vitória da escola de Niterói.
Após 23 anos, a Viradouro é campeã do Carnaval e não era uma das escolas mais comentadas como favorita. Que gosto tem esse título?
Tarcísio Zanon: Foram 23 anos de jejum e a escola passou por muitas dificuldades ao longo desses anos. Chegou a descer para o acesso, subir e descer, mas teve uma ascensão meteórica nos últimos tempos e tudo isso, graças a essa diretoria apaixonada e aguerrida. Era muito difícil que uma escola que desfilasse no domingo vencesse o Carnaval. Foi muito apertado, mas a Viradouro mereceu esse título. É um gosto incrível de um trabalho impecável, de luta, de garra e por isso tem um gosto muito especial.
Marcus Ferreira: Tem um gostinho de um trabalho de um ano inteiro. O nosso Carnaval puxou pela emoção. Praticamente abrimos o desfile e há dez anos, uma escola que desfilava no primeiro dia não conquistava o título. Tem um gostinho também de muita emoção pelas mulheres brasileiras.
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A maioria dos carnavalesco tem um tipo de enredo preferido, uma zona de conforto. Você teria um enredo de preferência?
Tarcísio: Eu particularmente gosto de trazer ao grande público personagens desconhecidos assim como fazia Fernando Pamplona no passado. Tudo tinha uma brasilidade. Poderia não ser um enredo brasileiro, mas havia uma comunicação direta com público. Ano passado fiz isso na Estácio de Sá, que era um enredo com a possibilidade de um patrocínio, mas não aconteceu. Falamos do Panamá e trouxemos a história daquele País com uma identidade da cultura brasileira, as coincidências históricas do dois países. Independente do tipo de enredo, o importante é trazer uma mensagem e uma comunicação direta com o publico. Assim como aconteceu 'As Ganhadeiras de Itapuã', que trouxe à luz esse grupo e fez representar a mulher brasileira.
Marcus: Eu não tenho preferência por enredo, mas gosto de enredos inéditos, histórias e temas que nunca passaram no Carnaval, aqueles que nunca foram explorados.
Você lembra de um enredo inesquecível?
Tarcísio:Eu gosto muito da forma como o Joãosinho Trinta tratava os seus enredos, tratava os personagens já existentes e os faziam brasileiros, como aconteceu com 'Orfeu, O Negro do Carnaval', em 1998, na própria Viradouro. Me emocionou bastante.
Marcus: Um enredo que eu acho que ficou marcado na história do Carnaval foi o 'O Criador e a Criatura', da Mocidade em 1996, do Renato Lage. O que me marcou muito foi o que eu fiz na Rocinha em 2018 pela Série A, 'Madeira Matriz', que falava dos 110 anos da xilogravura brasileira, a xilogravura de cordel sob a ótica do xilógrafo J. Borges.
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Os dois são formados em Design Gráfico. Quando deu aquele clique: 'Vou ser um carnavalesco'?
Tarcísio: Eu sou do interior do Rio, sou de Cantagalo, e desde muito cedo eu comecei a pintar quadros, desenhar e me envolver com as escolas de samba de lá. Me formei em Design Gráfico, mas a primeira vez que meu olhar se iluminou para o Carnaval foi em 1997, com o enredo do Bing-Bang, 'Trevas! Luz! A Explosão do Universo', do Joãsinho Trinta. Vi pela televisão lá na minha cidade e naquele momento meu deu um start para estudar e chegar a ser carnavalesco de uma grande escola. Terminei a graduação e logo em seguida fui fazer uma pós em Carnaval e Figurinos na Universidade Veiga de Almeira. As portas se abriram para mim.
Marcus: Na verdade, eu sou formado em Desenho Industrial e Arquitetura. Comecei a estagiar no Carnaval porque eu queria aliar à minha formação acadêmica, a parte técnica que eu já estava fazendo com uma coisa que me desse prazer. Fui procurar um estágio nessa área. Isso aconteceu em 2005 e ali, eu vi que era isso que eu queria.
O que foi mais complicado durante a preparação desse desfile?
Tarcísio: Sem dúvida nenhuma a Comissão de Frente porque foi um processo que envolveu vários profissionais, tivemos vários testes e muitos cálculos de peso, de água. Foi um projeto audacioso. Toda a equipe da Viradouro trabalhou de forma incansável para que tudo desse certo na Sapucaí. Quando vimos o impacto e a empolgação do público no setor 1, tivemos a certeza de que tudo valeu muito a pena. Foi tudo muito ensaiado e testado.
Marcus: O mais complicado foi fazer um Carnaval à altura da escola. A ansiedade de não errar. Nós estávamos seguros, mas estávamos também ansiosos com a expectativa da própria escola, do público e dos jurados.
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Como e onde vocês viram o desfile da escola? Tiveram a sensação ou confiança de que seria campeão ali na Sapucaí?
Tarcísio: Nós viemos no final da escola e sentimos a energia maravilhosa do público, a integração do publico com o desfile. Saímos confiantes, porém preocupados porque houve um problema no gerador do último carro. Em alguns momentos as luzes piscaram e até apagaram no último módulo em frente ao jurado e, apesar da certeza de um grandioso desfile, ficamos receosos com pontuação, que acabou acontecendo.
Marcus: Após o desfile de todas as escolas, me deu um clique de que poderíamos ganhar. Neste ano, nós perdemos alguns décimos porque tivemos problemas com um carro, com o gerador e nós sabíamos que perderíamos notas e os jurados foram coerentes. De resto, foi completo. Tudo com a nossa marca.
Fora o Viradouro, qual foi o desfile que mais te impressionou neste anos na Sapucaí?
Tarcísio: Particularmente eu gostei muito do desfile da Portela, achei inovador a águia com o casal Lage mais uma vez fazendo um trabalho belíssimo, um trabalho primoroso no acabamento. Sou fã do trabalho deles. Quero também parabenizar os outros carnavalescos porque foi um ano realmente muito difícil, muito competitivo e todas as escolas conseguiram fazer um Carnaval digno.
Marcus: Eu gostei muito do enredo da Mocidade sobre a Elza Soares e também o da Grande Rio a homenagem ao pai de santo Joãozinho da Gomeia.
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Teve alguma curiosidade? Algo que ninguém imagina durante essa processo?
Marcus: No dia 31 de dezembro, no dia da virada, eu estava na casa de veraneio de uns amigos e parei para olhar para céu. Tinha sido um ano muito difícil para mim porque eu tinha perdido a minha mãe. Eu olhava para o céu e do nada comecei a ouvir o samba da Viradouro de 1997, o samba do último campeonato da escola . Procurei ver de onde saia o som, tentei identificar se tinha alguma casa vizinha tocando o samba e não descobri a direção. Só tocou o samba. Nenhuma outra música depois e ali eu estava com a minha tia e falei 'esse campeonato é da Viradouro'.
Li que vocês brigam algumas vezes, tem opiniões diferentes e essa foi a primeira vez que trabalharam juntos. Como foi essa 'loucura'?
Tarcísio: A gente não briga, a gente discute as ideias.
Marcus: Isso foi um boato maldoso. Claro que em qualquer equipe as pessoas divergem as opiniões e isso é normal porque todo mundo quer sempre o melhor dentro de uma equipe unida. Trabalhar com o Tarcísio é prazeroso. Durante o ano, nós recebemos alguns ataques e até fomos à Delegacia de Repressão aos Crimes da Internet (DRCI) para tentar desvendar isso, colocar um ponto final porque quando a gente não rebate, a mentira acaba prevalecendo como uma verdade. A escola nos apoiou e nós conseguimos evitar a propagação desse absurdo.
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Quem escolheu esse enredo?
Tarcísio: O enredo veio para as nossas mãos pela atriz Zezé Motta. Ela nos deu um CD de um show intitulado 'Toda Mulher é uma Xica da Silva'.
Vocês fazem parte de uma geração nova que está chegando aos barracões pensando mais na criatividade do que o luxo até mesmo por conta da crise. Concordam?
Tarcísio: Sim, nós somos de um geração que vive o Carnaval em crise financeira e teve que usar e abusar da criatividade para poder construir o Carnaval. Não foi diferente esse ano. Apesar de a Viradouro ser uma escola estruturada, nós reciclamos muitas coisas do almoxarifado, pegamos fantasias e plumas e fomos reciclando. Mesmo que se tenha recurso é importante pensar na reciclagem e no reaproveitamento dos materiais para poder construir o Carnaval mais criativo e ter também um pensamento mais sustentável.
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Já tem ideia do próximo enredo? Vocês continuam na Viradouro?
Tarcísio: Temos várias ideias, mas agora a gente vai descansar um pouco. Com certeza, vamos fazer um enredo inédito, um enredo forte para mais um belo espetáculo.
Marcus: Nenhuma (gargalha). Nós temos várias ideias, mas são processos bem embrionários. Vamos tirar alguns dias para descansar e ainda vamos conversar. A gente quer seguir na linha do ineditismo, independente de onde nós estivermos trabalhando, mas a nossa intenção é continuar na escola. Eles abriram as portas do Grupo Especial para nós e isso a gente não esquece. Somos gratos à Viradouro.

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