Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Arquivo O DIA

Carnaval meio triste, desfalcado. Morreu o Jorginho, vizinho de muito tempo. Morava aqui do lado. Nasceu e morreu na semana do Carnaval. Viúvo da Ana, a primeira vítima, aqui na área, da covid-19. Era ele que enfeitava a rua para os períodos da Copa do Mundo de Futebol. Era um entusiasta e festeiro. Trabalhava em uma drogaria e sabia indicar o remédio certo para as dores dos moradores da área. "Não sou médico. Só indico remédio para dores", explicava sempre aos "pacientes".
Outro que se foi, o Paraguaçu. Morou uns bons anos aqui em frente. Inspetor de polícia, disparava sua pistola diariamente, recolhia duas cápsulas e colocava nos ouvidos. Aí, mergulhava na piscina. Incrível, ele nunca escondeu que usava aquele comprimido azulzinho. Mas, para engolir o medicamento, bebia uma generosa dose de Genebra, álcool puro. Quando discutia com a patroa, atravessava a rua, tocava o sino na porteira e entregava todo o armamento que tinha. "O Luar, guarda tudo. Briguei com a madame", dizia.
Ele tinha receio de reação violenta da companheira. Entenderam? O arsenal era variado e dava para enfrentar um pelotão. E ele sempre recomendava: "Não entrega as armas para a fulana!". Eu sempre limpava minhas impressões digitais em todas as peças. Principalmente quando entregava de volta, geralmente uma semana depois da encrenca.

Não pensem, amigos, que o Carnaval passou em branco nesse período que seria de luto. Um outro morador novo na área, nem sei o nome dele, começou a ferir ouvidos e mentes dos outros com seu som em último
volume. Desde sábado, início da folia. Quase 24 horas de barulho diariamente. Os vizinhos, eu também, só conseguiam ouvir o que o cidadão queria ouvir... Dei meu jeito: fechei portas e janelas da caverna e liguei o ar condicionado. Ufa. Deu certo. A conta da Light vai me castigar. Mas, eu consegui isolar o barulho - para não chamar de músicas - e dormi em paz.
Aí, amigos, foi que tive saudades do Paraguaçu. Ele não tinha aparelhagem de som e nunca soube que gostasse de músicas. Para se ter ideia do estrago, nenhum, dos vizinhos apareceu para os encontros matinais aqui no quintal. Pelo que soube, acreditem, todos queriam aproveitar qualquer momento para conseguir tirar um sono, um pouquinho. Eu? Ora, deixei de varrer o quintal. Somente aparecia para alimentar os pássaros, também castigados pelo barulho ensurdecedor.

Quando chegou a esperada Quarta Feira de Cinzas, o barulho cessou. Ufa. Vamos aproveitar e fazer horas extras na cama. Os pássaros voltaram mais cedo. Pontualmente, às 5h30m chegaram as ararinhas. Logo surgiram as rolinhas e o Bem Te Vi solitário se aproximou chamando a companhia. Ih, foi a festa. O Júlio disse que viu um tucano solitário rondando a área.
"Ele estava com sede. Caiu dentro do vasilhame de água", detalhou o amigo. Fred mandou essa: "Bonita a natureza sem o bicho homem invasor por perto demais". E Adilsinho bateu palmas. É verdade, amigos. O homem pouco conserva o ambiente. Bem, desconfio que as aves vão fazer abaixo-assinado de repúdio aos moradores barulhentos. Se elas me procurarem, assino em baixo também.