Feliz 2021 - Arte: Guilherme Pinho
Feliz 2021Arte: Guilherme Pinho
Por Nuno Vasconcellos
Quem acompanhou a queima de fogos do réveillon passado não poderia imaginar a mudança que, dali a doze meses, haveria na festa da virada do ano. Os sinais da pandemia da Covid-19, que àquela altura já eram nítidos na China e começavam a ser sentidos na Itália, ainda não eram claros o suficiente para mostrar aos brasileiros o rigor das medidas necessárias para tentar conter a propagação de um vírus mortal e ainda pouco conhecido da Ciência.
Para os cariocas e turistas que se aglomeraram em Copacabana e em toda a orla do Rio de Janeiro, seria impossível imaginar que, no réveillon seguinte, os fogos de artifício não tomariam conta do céu. Nem que, ao invés de reunir os amigos e abraçá-los para desejar um feliz ano novo, ficar longe deles seria a melhor maneira de desejar saúde, paz e proteção.

PROTAGONISMO — Esse, talvez, seja o melhor resumo as mudanças que fizeram de 2020, para muita gente no Rio e em todo Brasil, um ano que chega ao fim sem sequer ter começado. Diante de um inimigo perigoso, que deveria ser combatido com o esforço de todos, o que mais se viu foi o desencontro de opiniões sobre a melhor maneira de se enfrentar o problema. Logo no início, a impressão que se tinha era a de que Brasília tinha a situação sob controle. Não era bem assim.
O então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta assumiu o protagonismo da cena e dava a impressão de colocar a banda dos secretários de saúde para marcharem afinados na mesma direção. Tanto assim que a confirmação do primeiro caso de infecção pelo coronavírus no Brasil, no distante dia 26 de fevereiro, foi feita por Mandetta e pelo então secretário da Saúde de São Paulo, Luiz Henrique German.

O PAÍS DA HIDROXICLOROQUINA — A impressão inicial estava equivocada. Os governadores e prefeitos logo passaram a ser tratados como inimigos pelo governo. Mandetta logo saiu e foi substituído por Nelson Teich. Ele também deixou o governo e foi substituído pelo general Eduardo Pazuello. A implicância de Bolsonaro com os dois primeiros ministros da Saúde se deveu, basicamente, a duas questões. A primeira foi a discordância em relação à importância do uso de máscaras e do isolamento social recomendados para dificultar a propagação da doença. A outra foi em relação ao uso da hidroxicloroquina que Mandetta e Teich, como médicos, se recusavam a defender como o mesmo medicamento de propriedades quase milagrosas defendido pelo presidente.

A BRIGA DA VACINA — Pazuello, que ficou quatro meses no cargo antes de ser efetivado em meados de setembro, agora tenta passar à população a ideia de que o país está prestes a dar início a uma campanha de vacinação em massa. Este é outro ponto que nunca agradou a Bolsonaro e, por causa dos desencontros em relação a ele, o Brasil vê outros países darem início a programas de imunização sem sequer saber com qual vacina contará para fazer o mesmo em seu território.
Os desentendimentos em relação a esse assunto tiveram como lance principal a briga de Bolsonaro com o governador de São Paulo, João Doria, em torno da Coronavac, vacina de origem chinesa que vem sendo produzida pelo Instituto Butantan. As discussões entre eles passarão para a história como um dos capítulos mais lamentáveis do ano. O gesto, marcado pela capacidade que os políticos brasileiros sempre demonstram de transformar soluções em problemas, pode não ser o único responsável pelo atraso da vacinação. Mas serviu para monstrar que o Brasil pagará pela pandemia um preço muito mais caro do que pagaria se todos tivessem olhado para a mesma direção.

O VALOR DOS R$ 600 — Também ficará para a história o impacto positivo dos R$ 600 reais dados pelo governo, a título de ajuda emergencial. Embora o país não tenha uma economia nem uma situação fiscal sólidas o bastante para transformar esse auxílio numa política permanente, ficou nítida a força que uma parcela historicamente marginalizada da população pode ter como mola propulsora do mercado. Sem o auxílio emergencial dado aos trabalhadores informais e a pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, economia teria sofrido uma queda ainda maior e o desemprego estaria muito mais elevado do que está.

HORA DE REINAUGURAR — O Brasil como um todo e o Rio em especial precisam acordar para a necessidade de encontrar uma nova forma de encarar a economia. Isso significa buscar um novo modelo de relacionamento do Estado com a sociedade, uma nova visão dos empresários em relação à função de seus negócios e uma nova maneira de cada cidadão encarar sua responsabilidade no esforço que precisa ser feito para que o Brasil consiga resgatar, em 2021, tudo o que não usufruiu em 2020.
No dia 7 de junho deste ano, na coluna Um Olhar Sobre o Rio, que publico aos domingos neste jornal, escrevi que, mais do que reabrir os negócios fechados pela pandemia, seria preciso reinaugurá-los. Se isso já era verdade àquela altura, hoje é muito mais. Que o compromisso de contribuir para trazer de volta a alegria perdida pelo Rio — que agora terá um novo prefeito — substitua os fogos que não veremos neste réveillon e ajudem a iniciar no ano novo uma de trabalho e de esperança.

Feliz 2020!