Arte coluna opinião_11 janeiro 2023Arte Paulo Esper
De quem é a culpa?
Não consigo crer que só a ingenuidade constrangedora dos vestidos de torcedores da seleção de futebol numa tal aglomeração sirva de explicação ao fato
A quebradeira de domingo nos deixa a seguinte questão: como se avalia a culpa em casos assim? Do ponto de vista jurídico, é preciso ampla e precisa investigação das ações e omissões. Quem agiu? A mando de quem? Com a anuência de quem?
Uma coisa no entanto é certa: foram aquelas pessoas que agiram, as que estavam lá e as que possibilitaram os atos — e não todos os eleitores de Bolsonaro, como os mais assanhados têm defendido para aniquilar a direita e, com ela, a verdadeira democracia.
Onde há palácio, sede de governo e, principalmente, obras de arte de valor incalculável, tem que ter segurança especial, cofres, sistemas de inteligência, de alarme, de ampla comunicação com as forças internas e externas, e que acionem diretamente a Polícia Federal, a Polícia Militar e as Forças Armadas, quando insuficiente a segurança de cada setor. Quem faz a gestão desses prédios e acervos não conta com a possibilidade de depredação e revolta?
E quanto aos motivos da revolta, não há corresponsáveis? Notórios abusos da lei e da ordem, discursos de vitória e de posse do atual presidente com declarações provocativas, arrogantes e ameaçadoras contra mais de 40% da população, não lançam o país em uma crise de legitimidade? Não é dever dos representantes do povo preservar a comunidade nacional contra os excessos que fomentam a violência? Não é esse o inalienável dever democrático?
Sob o pretexto de pacificar o país, jogaram sujo, manipularam a opinião pública, libertaram um dos maiores responsáveis por corrupção generalizada da nossa história e fizeram quase metade do país refém de uma tirania que se diz democrática: em que universo isso é união, pacificação e democracia?
Enfim, a pergunta que não quer calar: quem ganha com isso? Atos de vandalismo não trazem à direita nenhuma vantagem. Desde quando apareceu, em 2013, ela nunca protagonizou manifestações violentas. São dez anos de existência com milhões indo às ruas sem quebrar uma janela, um carro, uma garrafa, sem deixar nem papel cair na rua. Lucra mais o consórcio que quer, e aliás já queria antes, desempregar, perseguir, prender e matar adversários sob as mais iluminadas justificativas.
Quem financiou o quebra-quebra ou foi de alguma forma orientado por quem levou vantagem, ou então foi induzido pelo capeta. O risco de violência e destruição é evidente em um evento de ocupação como esse. Não consigo crer que só a ingenuidade constrangedora dos vestidos de torcedores da seleção de futebol numa tal aglomeração sirva de explicação ao fato.
Acabou a eleição, minha gente. O que resta é fazer oposição a sangue frio, com estudo, livros, bom uso de mandatos parlamentares,organização partidária. Tenho dito e repetido que outros caminhos são impossíveis ou claramente ruins. Aos conservadores: é preciso resistir à destruição das instituições por parte dos que as exaltam diariamente com um palavrório vazio; resistir à tirania travestida de democracia; resistir à violência política que busca amparo internacional para se impor em definitivo.
O que a direita de fato não precisa é de um pretexto, dado por ela própria, para justificar e absolver os que a querem destruir.
Rafael Nogueira é professor de História e Filosofia, ex-secretário nacional de Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional
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