Rafael Nogueira Divulgação
A prisão preventiva do general Braga Netto e a condenação de Filipe Martins mostram o que acontece quando o sistema judicial, em vez de garantir justiça ou, vá lá, uma prestação jurisdicional minimamente adequada, se converte em instrumento para outros fins: assassinar reputações, fabricar culpados e punir inocentes.
Comecemos pelo general. A prisão preventiva é medida cautelar, reservada a situações graves e atuais. Não é condenação; é uma exceção. O Código de Processo Penal exige contemporaneidade: o risco tem que ser real e atual. Mas Braga Netto foi preso por causa de um episódio de agosto de 2023 — mais de um ano atrás. O motivo? Um contato telefônico, interpretado como tentativa de interferência, mas que, na prática, não produziu absolutamente nada. E assim, sem nenhum fato novo, o prenderam.
Já no caso de Filipe Martins, a bizarrice atingiu outro patamar. Desde o início do ano, ele vive sob restrições absurdas: tornozeleira eletrônica, proibição de sair de casa à noite e nos finais de semana, tudo com base em uma acusação que nunca se sustentou — de que teria tentado sair do país. E aqui vem o detalhe: mesmo que tivesse fugido, isso não seria crime. Mas como as provas não apareceram, veio a solução genial: ele teria simulado a fuga. Simulado! Filipe está sendo punido por algo que comprovadamente não fez e que, se tivesse feito, não geraria punição alguma.
E então veio a condenação mais recente, anunciada com estardalhaço e uma manchete do Valor Econômico digna de manual de jornalismo criativo: “Filipe Martins teria feito gestos que remetem aos usados por movimentos extremistas ligados à ideia de supremacia branca.” Veja a construção da frase: “teria feito gestos”, “que remetem”, “aos usados”, “por movimentos”, “ligados à ideia”. Não é que Filipe tenha feito algo manifestamente racista ou tenha se dirigido a alguém em particular. Não. Ele fez um gesto que, se você ligar uma referência aqui, outra ali, e sacudir tudo no final, vai resultar — convenientemente — numa mensagem racista. Evidente, dizem, para todo mundo.
Como se não bastasse, o processo ainda atribuiu a Filipe a autoria de um artigo de 1997, ignorando que, na época, ele tinha apenas nove anos. O resultado é uma condenação de R$ 52 mil, entre multas, prestação pecuniária e danos morais. Não se trata de justiça; é um espetáculo. O objetivo foi alcançado: criar uma condenação simbólica, suficiente para manchetes que fragilizam sua imagem pública e o associam a uma causa abjeta, sem qualquer conexão real com sua vida ou conduta.
Mas não é só Filipe. Não é só Braga Netto. É Clezão Ramalho, que, como tantos outros, estava preso sem estar condenado e morreu na Papuda. É Débora Rodrigues, a cabeleireira que escreveu com batom na estátua do STF e está presa até hoje — como se o batom fosse arma e a estátua, vítima de um crime hediondo. É um sistema que, quando não encontra crimes reais, transforma inocentes em culpados.
Dizem que vivemos em tempos de “narrativas”. Pois bem: o que hoje chamam de “narrativa” é, na prática, uma sucessão de invenções e distorções. Quando não se encontram provas, inventam intenções; quando não se encontram intenções, criam simbolismos. Não importa quem seja o alvo — um general, um assessor, um pedreiro ou um parlamentar. O importante é atirar.
E aqui está o ponto: o destino dos indivíduos importa. Quando um homem é injustamente preso ou condenado, o dano não se restringe a ele. A justiça vira escombros, a confiança nas instituições evapora, e todos passam a viver com medo. O sistema, que deveria proteger a liberdade e punir com equidade, torna-se uma arma voltada contra os cidadãos.
O pior é que tudo isso acontece na maior naturalidade. As notícias surgem, as penas se aplicam, e ninguém está nem aí. O público, que deveria reagir, dissolve-se em indiferença, como se o que está acontecendo não fosse com ele — mas vai ser. Porque o uso arbitrário da lei hoje, contra alguns, cria o precedente para que amanhã ela se volte contra qualquer um.
Abusos não crescem sozinhos. Eles crescem porque encontram silêncio, porque não são denunciados, porque ninguém resiste. A lei tem que ser cumprida, e isto é uma exigência, minha enquanto cidadão, e de todos os que se solidarizam contra esses abusos. A lei não deve se curvar à vontade de ministro nenhum.
Se, na mão de um ou de poucos, a lei vira mero pretexto para vingança, perseguição ou arbitrariedade, ao país o que é que resta?
Se, na mão de um ou de poucos, a lei vira mero pretexto para vingança, perseguição ou arbitrariedade, ao país o que é que resta?
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