Universitária Rosana Silva Aguilar, de 49 anos, luta na justiça para comprovar identificação e e rever a filha levada da maternidade, há 29 anos, em Macaé, no Norte Fluminense Arquivo Pessoal

Há 29 anos, a hoje universitária Rosana Silva Aguilar, de 49 anos, vive um drama: reencontrar e comprovar a maternidade da filha que foi levada, após o parto, realizado em uma maternidade, no município de Macaé, no Norte Fluminense. Na ocasião, por ser muito jovem, imatura e sem recursos, Rosana cedeu a proposta de entregar a filha para outra família, mas se arrependeu e luta até hoje para reparar os danos emocionais da escolha.
Essa história se inicia em 1993, quando Rosana, então uma jovem de apenas 18 anos, descobriu que estava grávida. Criada por pais adotivos, oriundos de uma família religiosa e conservadora, ela havia decidido sair de casa ainda adolescente para morar na casa de uma amiga. Nesse período, em meio a uma gravidez inesperada, fruto de uma relação casual, ela temeu um iminente "escândalo". A alcunha de “mãe solteira” e o medo de represálias a fizeram se distanciar ainda mais dos familiares.  
Durante os primeiros meses de gestação, sem apoio da família e do pai da criança, Rosana relata que passou a viver de favor na casa de terceiros. O fato de não ter nenhuma ajuda financeira, a fez passar por uma peregrinação: entre pedidos de abrigo, muitas das vezes em troca de serviços domésticos, ela passou por 12 residências.
“Era uma jovem imatura, interiorana, sem rumo e estudo, em uma época de muitas mudanças. Justo o momento de ser mãe, que é o sonho de toda mulher, foi o mais difícil da minha vida. Durante a gravidez, passei por muita humilhação”, conta, emocionada, Rosana, que, alguns anos depois, teve outros 3 filhos.
Antes do parto: dilemas e o arrependimento
De acordo com Rosana, diante de tanta dificuldade, o aborto chegou a ser cogitado por outras pessoas, mas ela não teve coragem. “Jamais faria, sabia que dentro de mim havia uma vida, um ser inocente, que merecia ser amado e respeitado”, lembra.
Ela resolveu ir até o fim. Só nos últimos dias de gravidez foi procurada pelos seus pais adotivos, que lhe ofereceram abrigo e ajuda, mas, ela estava desorientada. Durante conversa com amigas, em frente a uma loja, em Macaé, foi abordada por uma pessoa que se ofereceu em intermediar a entrega da criança para outra família.
“Esse foi o meu maior erro. Estava vulnerável, insegura, sem apoio da minha família e do pai da minha filha. Naquele contexto, aceitar aquela proposta seria uma solução viável. Contudo, após levarem a minha filha daquela maternidade, minha vida nunca mais foi a mesma. Me arrependi, procurei a mulher intermediária, a família, acionei a polícia, entrei na justiça, mas nunca mais tive acesso a minha filha. Carrego, há 29 anos, essa culpa”, lamenta a universitária.
‘Quero apenas revê-la, me retratar, e acabar com os traumas que carrego até hoje’
Há alguns anos, procurando nas redes sociais, Rosana identificou uma mulher, hoje com 29 anos, que seria sua suposta filha. Contudo, apesar de todos os procedimentos e recursos na Justiça, ainda não conseguiu realizar o exame de identificação.
“Sei que ela tem outra família, é amada e mantém a sua rotina. Mas, queria apenas revê-la, contar a minha versão. Não quero briga. Faço apenas um apelo: ter a chance de revê-la, me retratar e acabar com os traumas que carrego até hoje”, ressalta, emocionada, Rosana.
Ação movida na Justiça desde o fim dos anos 90
Segundo o advogado Marcelo Junger, que assumiu o caso de Rosana desde meados de 2010, a ação de reconhecimento de maternidade foi movida no fim dos anos 90 e início de 2000. Para Junger, o principal foco é garantir que Rosana ainda consiga o reconhecimento de maternidade, mas, conforme o advogado, o apelo emocional deve ser levado em conta.
“Já fizemos dezenas de petições, os envolvidos foram citados, solicitados exames de DNA, mas ainda aguardamos decisões judiciais. Acreditamos na Justiça, porém, diante das iminentes dificuldades decorrentes do processo, um acordo entre as famílias ou a sensibilidade da filha seria a forma mais rápida de reparar os danos emocionais de ambas as partes”, ressalta o advogado.
Adoção à brasileira
Quando uma mãe ou pai entrega uma criança sem passar pelos trâmites judiciais é conhecida popularmente como 'adoção à brasileira'. O procedimento ocorre, normalmente, com a participação da mãe biológica e dos pais adotivos, que registram o bebê como se fosse seu filho biológico. "Esse foi o caso da Rosana. Era muito comum, no passado, esse tipo de adoção, sobretudo quando a mãe era desprovida de recursos ou dificuldades de criar o bebê", explica o advogado Marcelo Junger.
Estereótipo de ‘pessoas ruins’
Em entrevista à Rede BBC News Brasil, a psicóloga Juliana Martins ressaltou que o maior peso carregado pelas mães que entregam os filhos para outras famílias é carregar o estereótipo de que são pessoas ruins.
"Tudo isso resulta do papel social atribuído à mulher. A compreensão social que se dá a essa entrega é sempre colocando a mãe como ruim, porque se fosse boa não entregaria. É como se significasse falta de amor", diz a psicóloga, que investigou sobre o tema durante o seu mestrado, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa deu origem ao livro Mulheres de Maternidade Impedida (ComArte, 2019).
Juliana trabalhou em um abrigo para mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade. No lugar, conheceu histórias de gestantes que planejavam doar os filhos. "Uma mulher que entrevistei e entregou o filho me disse que o que ela fez foi um ato de amor, porque naquele momento não tinha condições de criá-lo e não tinha o apoio de ninguém. Era a única opção e ela escolheu uma família que daria a ele tudo o que precisasse", diz a psicóloga. (Fonte: BBC News Brasil em São Paulo/2020).

O sonho do reencontro
A legislação brasileira não considera crime o ato de mães entregarem os filhos para a adoção — exceto em casos que envolvam dinheiro. Isso porque a 'adoção à brasileira', apesar de não ser legalizada, costuma ser considerada um motivo nobre pela Justiça, pois normalmente envolve casos nos quais os pais biológicos declaradamente não tinham condições para criar o filho.
No Brasil, assim como Rosana, centenas de outras mães arrependidas buscam na Justiça o acesso aos filhos. Em muitos casos, o sonho do reencontro tem se tornado possível, atualmente, após o advento das redes sociais, que permitem a localização e o contato entre as famílias. No entanto, muitos casos em litígio dependem da Justiça e param diante da morosidade dos processos.
“Nós, mães arrependidas, sabemos que em algum momento cometemos falhas. Sofremos muito. Isso causa transtornos irreversíveis. Contudo, mesmo sabendo de tudo isso, queremos apenas a oportunidade de contar a nossa versão, dirimir os danos emocionais e abrir um canal de comunicação”, finaliza Rosana, que ainda tem esperança de rever ou manter contato com a filha, após 29 anos de espera.
Nota- A redação teve acesso ao processo, mas, mediante a inexistência de comprovação da identificação, optou por não citar nomes dos envolvidos e aguardar a decisão da Justiça.