Rio - Em 1980, o disco de um jovem compositor causou alvoroço na imprensa nacional. Se nunca alcançou sucesso comercial, ‘Clara Crocodilo’, de Arrigo Barnabé, é considerado um marco na história da música brasileira e até hoje vem cativando gerações de fãs. Tanto é que a série de shows que o artista apresenta de hoje a sábado, no Audio Rebel, no Humaitá, ganhou duas sessões extras.
“Tem um pessoal mais novo que gosta muito do meu som. É um negócio, às vezes eu fico impressionado”, admite Arrigo, aos 62 anos. “Não sei te explicar o que o disco tem (que o faz ser cultuado). O fato é que é consistente. Eu nunca mais consegui fazer nada nesse nível”, diz o músico, nascido em Londrina (PR).
Fã de música erudita, Barnabé criou uma espécie de ópera-rock com estrutura baseada no dodecafonismo. As músicas narram a história de um office-boy apaixonado que acaba se transformando em um monstro-crocodilo. Acabou se tornando uma espécie de marco inicial do movimento conhecido como Vanguarda Paulista, que incluiu nomes como Itamar Assumpção e Luiz Tatit (do grupo Rumo).
Mesmo sendo um trabalho experimental, o disco deixou sua influência na música popular. “De alguma forma, influenciou outras pessoas em um monte de procedimentos, desde a coisa falada com certo ritmo — na época, o rap não era popular aqui — até as intervenções de diálogo de coro feminino, o humor. Isso apareceu depois dele”, enumera o compositor.
O álbum não teria ecos, embora de forma mais diluída, em trabalhos como o da Blitz? “Não acho”, garante. “Quando eu ouvi a Blitz a primeira vez, achei que fosse Itamar. Parece muito com o primeiro disco dele, ‘Beleléu, Leléu, Eu’ (1980). Quando escutei, me espantei: ‘Itamar tocando nas rádios?’ Depois fui saber que era a Blitz”, lembra.
Itamar Assumpção, por sinal, vem alcançando um reconhecimento tardio, depois de suas canções terem sido gravadas por nomes como Ney Matogrosso e Zélia Duncan. Arrigo não imagina o mesmo acontecendo com ele. “A música do Itamar e a do Tatit são mais adequadas, mais ligadas à canção, formalmente é mais parecido. O meu trabalho é mais estranho, mais difícil.”
E o preço de se manter fiel à ‘estranheza’ tem sido alto: ele faz de tudo um pouco para pagar as contas. “É muito difícil. Dou aula, faço programa de rádio, música para cinema, estou com cinco shows diferentes... Tem que se matar para conseguir”, desabafa.
Ele lança ainda este mês o álbum ‘De Nada Mais a Algo Além’, com canções suas e de Luiz Tatit, e parcerias dos dois, com vocais de Lívia Nestrovski. Em seguida, pretende registrar um EP com o projeto O Neurótico e as Histéricas, ao lado de uma banda feminina. Ainda vai estrear o show ‘Caixa de Ódio 2’, com repertório de Lupicínio Rodrigues, e aguarda o lançamento do longa ‘Nervos de Aço’, de Maurice Capovilla, filmado em 2011, em que faz o protagonista.
Gravado originalmente com a banda Sabor de Veneno, na atual turnê ‘Clara Crocodilo’ é apresentado por Arrigo (voz, teclado e arranjos) ao lado de Paulo Braga (teclado), Mário Manga (guitarra), Ana Karina Sebastião (baixo), Mariá Portugal (bateria e voz), Maria Beraldo (clarinete e voz) e Joana Queiroz (sax tenor, clarone e voz). “Escrevi todos os arranjos para essa formação. Tanto que as meninas são instrumentistas e cantoras”, explica Arrigo.
O Audio Rebel fica na rua Visconde Silva 55, Humaitá (3435-2692). Os shows acontecem hoje, às 20h; amanhã, às 18h e às 20h e sábado, às 17h30 e às 20h. Ingressos a R$ 25.