Por daniela.lima
Luis Pimentel%3A Quem mora no morro não tem chave YaleDivulgação

Rio - Contam que o chato de galocha, desses que vivem puxando assunto com gente famosa, se aproximou de Geraldo Pereira numa festa, cheio de intimidades, conversa do tipo “te conheço, somos vizinhos, também moro no morro”. Para se livrar, o grande sambista mandou essa: “Mora no morro mesmo? Mostra a chave.” Sujeito balançou o chaveiro e Geraldo rebateu: “Que é que há, meu irmão?! Quem mora em barraco não tem chave Yale!”

O compositor popular Geraldo Pereira viveu apenas 37 anos (tudo bem,Noel Rosa viveu dez a menos...), mas sua obra valiosíssima tem sido revisitada em vários momentos e por nomes marcantes da MPB. Sucessos como ‘Falsa Baiana’ (gravado originalmente por Ciro Monteiro), ‘Bolinha de Papel’ (imortalizado por João Gilberto) e ‘Escurinho’ (Ciro, Roberto Silva, Roberto Paiva, João Nogueira e tantos outros) mereceram após sua morte inúmeras regravações. Em alguns casos, o grande público sequer tomou conhecimento do nome do verdadeiro autor dos sambas.

Conheço muita gente bem informada que canta nos bares ‘Sem Compromisso’ (“Você só dança com ele e diz que é sem compromisso/É bom acabar com isso, não sou nenhum pai João”) crente que está cantando Chico Buarque.

Geraldo nasceu em Juiz de Fora, MG, em 1918. Morreu em 1955, deixando mais de 300 sambas em catálogos de editoras. Chegou ao Rio de Janeiro com 12 anos, indo morar no Morro de Mangueira, em companhia de um irmão. Estudava e ajudava o mano numa birosca no Buraco Quente. Aos 18, tirou carteira de motorista e foi trabalhar no volante do caminhão da Limpeza Urbana. Nas folgas, enfiava­se nos bares de Mangueira, juntamente com os sambistas locais.

Conheceu Cartola, Nelson Cavaquinho, Wilson Batista, Nelson Sargento, Fernando Pimenta, Geraldo da Pedra, Padeirinho e tantos compositores de valor da Estação Primeira.

Sua morte aconteceu depois de uma briga de bar com o lendário Madame Satã, que se orgulhava da fama de valente e de homossexual (ele preferia se dizer “pederasta”). Depois de uma discussão no Restaurante Capela, na Lapa, Satã acertou um soco no rosto de Geraldo Pereira.

Bêbado, o compositor perdeu o equilíbrio e caiu na calçada. Bateu com a cabeça no meio­fio e ficou desacordado, sendo carregado para o Hospital dos Servidores, onde morreu dois dias depois, só que de hemorragia intestinal. Já andava muito doente, com crises constantes de vômitos e evacuando sangue. Bebia demais e estava se achando impotente Aí metia a cara no Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, batizado como “o conhaque do milagre” pelos reclames publicitários, na tentativa desesperada de reagir. Ao contrário: mais debilitado ficava.
Era dia 8 de maio. Há 59 anos.

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