Rio - Muitas vezes me pego pensando na primeira música que ouvi, na minha memória musical, que é meu fio condutor com o passado. Sempre tive a mesma resposta: ‘O Vira’, dos Secos e Molhados, aquela na qual “bailam corujas e pirilampos entre os sacis e as fadas ”.
Certamente a imagem lisérgica de Ney Matogrosso e sua turma aumentaram o impacto da canção no meu delírio infantil. Meu pai diz que, antes disso, eu implorava para a minha babá me levar para ver o bloco do Urubu Cheiroso que desfilava com um samba estranho também, um tal de “ei, você aí/ Bloco do Urubu Cheiroso, vida ou morte tá aí!”.
Mas, se eu não lembro, não é memória. Já meu primeiro banzo foi também na minha viagem de estreia em família. Lembro perfeitamente do segundo andar do alojamento do Iate Clube Santo Amaro, em São Paulo. Minha mãe brincava com meu irmão em um jardim, meu pai velejava, e eu fui assolado por uma tristeza enorme ao ouvir ‘Meu Mundo e Nada Mais’, de Guilherme Arantes, no rádio. Gente, eu “vi tudo mudar das verdades que eu sabia”! Mas o que eu sabia com cinco anos? Sei lá, também esqueci.
Meu primeiro amigo para sempre é fácil, Felipe. Até porque como é para sempre eu não tenho como esquecer. Está até hoje ao meu lado, da mesma forma, com a mesma fidelidade, o mesmo sorriso franco e nossa amizade me dá a sensação de que não envelhecemos. E assim sendo, vivemos muitas primeiras vezes juntos. A primeira vez que quase incendiamos um prédio, a primeira vidraça quebrada, as primeiras paixões infantis. Não aquela primeira vez, lógico. Aquela, eu prefiro esquecer. Neste aspecto, o tempo ajuda muito, ele vai passando a borracha seletiva da nossa memória. Por exemplo, cresci indo ao Maracanã com meu velho, mas a primeira memória que eu escolhi foi o gol do Rondinelli contra o Vasco, em 1978. Já tenho derrota demais para contar no currículo.
O primeiro beijo, ô glória, foi na casa de ninguém menos que Chico Buarque, na Gávea. Era uma festinha de uma de suas filhas, Lelê, minha colega de colégio. Não vou dizer o nome da moça, é claro, mas lembro que tinha uma garagem e, papo vai, papo vem, smack! Tá bom, um beijo meio sem graça, mas vale como registro.
Tive algumas sortes na vida. Certo dia, muito a contragosto, acompanhei meu pai em um samba, na Tijuca. Chegando lá me diverti muito com o grupo Torresmos e Moelas, vi Aldir Blanc batucando um tamborim com o dedo e até arranjei uma namoradinha, outra que também estava lá quase que forçada pelo pai. Pois bem, virei frequentador do lugar. Anos depois, mas põe anos nisso, em um encontro casual com Moacyr Luz e meu pai, descobri que o bar, o da minha primeira roda de samba, o Caras e Bocas, era do próprio Moa. Essa foi com o pé direito!
Meu primeiro fora, é claro, foi antes do primeiro beijo. E foi do tipo “sai, pirralho”! A primeira vez que eu quase morri foi numa brincadeira de criança. Eu e meu irmão entramos no mar de mãos dadas. O pacto era não largar a mão do outro. Aí veio uma onda e levou os dois. Minha mãe desesperada, o salva-vidas retirando os dois patetas do mar... Essa primeira vez pode ter comprovação, porque uma equipe que filmava algum acidente no Leblon registrou a cena e fomos parar em um ‘RJ-TV’ da vida. Ah, assim sendo, foi a primeira vez que fiquei famoso.
Meu primeiro bloco, depois do Urubu Cheiroso, foi o Suvaco do Cristo, em 1989, samba maravilhoso do Lenine. Foi neste bloco também que, lembrando aquele velho anúncio, usei o meu primeiro sutiã. Inesquecível. Eu era a mulher mais feia do Carnaval.
A gente descobre que o tempo bate realmente à porta quando já não há muitas primeiras vezes a serem vividas, e, pior, quando as lembranças de nossas estreias pela vida afora ficam rarefeitas, escorrendo pelos nossos dedos saudosos. Mas, pera lá, isso é papo de gente velha. Ah, legal, é a primeira vez que assumo minha velhice!