Rio - O título é sugestivo. Ao batizar o seu primeiro longa-metragem de ‘O Lobo Atrás da Porta’, o diretor Fernando Coimbra sabia bem o que queria dizer. “Em uma situação limite, reagimos de uma forma próxima à do animal”, define ele sobre o thriller, com estreia marcada para o dia 29. Leandra Leal e Milhem Cortaz fazem coro com o cineasta paulista. Protagonistas da trama, os atores precisaram procurar seus próprios ‘lobos’ para dar vida aos personagens inspirados em um crime real, que chocou o Rio, na década de 60.
Aconteceu há 54 anos, mas o caso da mulher que ficou conhecida como A Fera da Penha é lembrado até hoje. Movida por ciúmes e ódio, uma jovem (Leandra) sequestra a filha pequena de seu amante (Cortaz), Clara (Isabelle Ribas), e desaparece com ela. “Apesar de discordar do que ela fez e achar que não tem justificativa para isso, não acredito que se tratava de uma psicopata, e tentei achar o que ela tinha de humano para escrever o roteiro”, explica Coimbra, que cultiva o desejo de falar sobre o tema desde que descobriu a história, há 16 anos.
Imbuídos da mesma vontade de mostrar como é tênue a fronteira entre o bom e o mau de cada um, os atores foram seduzidos pelo desafio de dar vida a seus personagens, sem rotulá-los como vilões. “Já me deparei com o meu ‘lobo’ várias vezes. Sei que ele existe, só me surpreende o quanto é complexo”, comenta Cortaz, que diz descobrir novas coisas sobre si — tanto boas quanto ruins — toda vez que precisa construir um personagem.
“Quando estávamos rodando o filme, um caso parecido aconteceu em Duque de Caxias. Juro, não sei por que essas coisas acontecem”, recorda Leandra, sobre o crime cometido em 2011, quando uma menina de 6 anos foi assassinada pela amante de seu pai. Mesmo sem entender como alguém pode tomar determinada atitude, a atriz acredita que o ponto chave no seu trabalho foi saber que ninguém é mocinho nem vilão o tempo inteiro.
“O ser humano é muito rico e desenvolve suas características e potências ao longo da vida. Eu mesma já me deparei com o meu ‘lobo’ tantas vezes!”, analisa ela, que segue o mesmo raciocínio de Cortaz. “É sempre bom estar alerta para saber que temos vários caminhos. Eu tento sempre escolher os mais justos”, diz o ator.
Embora o embrião de ‘O Lobo Atrás da Porta’ tenha surgido do caso da Fera da Penha, o trio faz questão de ressaltar que o filme é livremente inspirado na história e não pretende reconstituí-la. Tanto que a trama se passa nos dias de hoje e os nomes dos personagens foram trocados. “A Fera da Penha era apenas o gatilho para contar uma relação amorosa e os possíveis conflitos do ser humano”, conclui Leandra.
O caso que inspirou
No dia 30 de junho de 1960, Neyde Maia Lopes cometeu um crime que chocou todo o país e foi manchete no DIA. A mulher, que na época tinha 23 anos, sequestrou a filha, de seu amante, Antônio Couto Araújo. De posse da menina Maria Coelho Araújo, de apenas 4 anos, ela pegou um revólver 32 e deu um tiro na nuca da criança. Em seguida, ateou fogo no corpo da vítima, em um matadouro de gado, na Penha.
Neyde confessou o crime e cumpriu 15 anos de prisão. Após deixar a cadeia, morou com sua família até a morte deles e, hoje, vive sozinha e reclusa no subúrbio do Rio. Mesmo depois da tragédia, os pais da menina permaneceram juntos e, além de uma outra menina, já nascida na época do crime, tiveram mais três filhos.