
Rio - Era uma vez um mundo que acordou diferente. Após tempestade de luzes e sons eletrônicos, o nosso planeta se viu como nunca antes. O que era oficioso ficou oficial. O que era desencorajado passou a ser incentivado.
Como assim? Me explica isso melhor?
Aconteceu que tudo acordou às avessas. Naquele fatídico dia em que a noite parecia dia, foi como se o preto tivesse ficado branco e vice-versa.
E, nesse reino onde tudo ficou diferente, o comportamento padrão passou a ser mentir.
Sim, mentira.
Todo mundo passou a mentir o tempo todo e em tudo o que dizia e fazia. Eu vivo nesse mundo e até hoje é assim. Não há mais temor à verdade, porque teoricamente ela não existe. A gente mente como regra. Como escovar os dentes e tomar banho. Um costume que vem de berço.
Isso mesmo. Mentir é a lei, o hábito. É fazer a coisa certa.
E que delícia passar o dia criando, inventando, transformando o que é simples e chato em ficção.
O problema é a exceção. Ainda tem os que sucumbem à regra e tentam dizer a verdade. Acham mais fácil, menos trabalhoso.
Detectores de verdade de todas as marcas e modelos começaram a pipocar. Smartphones começaram a vir com os tais detectores. A busca pela verdade ficou frenética. Era um tal de desmoralizar quem dizia a verdade e expor ao ridículo que começaram a disfarçar a verdade pra enganar os aplicativos. Verdade com cara de mentira. Verdade disfarçada de opinião. Verdade tendenciosa. Verdade que depende de tom de voz e circunstância.
Foi uma confusão.
Casais apaixonados fingiam indiferença e pessoas indiferentes ao amor diziam “Eu te amo”. Como saber quem mente? E se o indiferente no fundo tem afeto? Muitas vezes o aplicativo não acusava afeto porque não foi feito considerando todas as variáveis do ser humano. A ordem era criar algo que não fosse verdade. Mas e quando a criação era verdadeira?
Um dia, entre mentiras sinceras, teve até uma mãe dando um golfo de verdade e dizendo ao filho: “Quis tê-lo por satisfação pessoal minha, e não fazendo um favor a você de botá-lo no mundo.”
Essa virou chacota, tadinha, o detector apitou o alarme em meio a familiares e amigos. Foi um horror, uma humilhação.
Mas, como tudo na vida, o Novo Mundo tinha e ainda tem um lado bem bom. É diversão que não acaba. O tempo todo somos desafiados a inventar a melhor mentira, a história mais criativa. Tudo em nome da não verdade.
O planeta está em franca evolução e as tecnologias também. Cientistas não se cansam de buscar novos meios de detectar e exterminar a verdade sem glamour espalhada por aí. Verdade clandestina. Verdade infiltrada, rebelde, comunista.
Eu não posso me queixar, me divirto nesse novo planeta. Nenhum dia é igual ao outro. A mentira é infinita e me faz acreditar num amanhã sempre melhor.