Por karilayn.areias

Rio - Quem passa em frente às ruínas pichadas do número 215 da Avenida Venceslau Brás, em Botafogo, dificilmente acredita que funcionava ali um dos templos da MPB. Isso pode mudar: desativada em maio de 2010 após a Universidade Federal do Rio de Janeiro decidir usar seu direito de propriedade do terreno, a casa de shows que já se chamou Canecão planeja estar de volta até as Olimpíadas de 2016.

Para isso, a UFRJ prepara edital para concurso público de arquitetura e urbanismo, e quer selecionar uma empresa para recuperar a área. Programa para o local um complexo que inclui o Espaço UFRJ (nome provisório), com atividades acadêmicas e musicais; a Casa da Cultura, que abrigará a editora e a livraria da universidade; e a Casa da Ciência, colada ao prédio, que está em atividade. O antigo Café Canequinho, na Rua Lauro Müller, deverá virar um café artístico até o Carnaval.

Fachada do ex-Canecão atualmente pichada e abandonadaMaíra Coelho / Agência O DIA

“Queremos ter esse concurso lançado em um mês”, prevê o coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Carlos Vainer. Após o fechamento e o abandono do terreno, o Canecão ficou sujeito a infiltrações, desabamentos e pichações. “O telhado estava em péssimas condições e o reformamos para interromper a degradação. Nas condições atuais, precisamos de um estacionamento subterrâneo para que a prefeitura autorize. Antes, o trânsito ficava congestionado e todos reclamavam. Também estamos fazendo um levantamento topográfico. Aquilo (o antigo Canecão) era uma construção casual. Precisamos ter uma planta do local para dar procedimento ao concurso”, anuncia Vainer. Um hotel-escola e um centro de convenções ainda são previstos para o terreno. A reforma no telhado custou R$ 400 mil.

Vainer conta que os bens do ex-inquilino da casa, Mario Priolli, deixados no espaço, foram integrados ao patrimônio da universidade. “Priolli chegou a propor um valor para que comprássemos as cadeiras e mesas. Como eles não foram retirados, a universidade ficou responsável pela sua guarda. Fizemos uma triagem e utilizamos o que foi possível utilizar”, conta. Em 2012, Priolli afirmou ao DIA que queria “vender tudo para eles (UFRJ), meu desejo é que a casa reabra o quanto antes”. Foi graças à briga judicial envolvendo esses bens que a casa ficou parada até hoje.

Uma pichação ao lado da antiga bilheteria, “O Canecão é Nosso”, recorda que em 2012 a casa foi ocupada por estudantes da UFRJ, que desejavam que o espaço fosse tomado por atividades culturais gratuitas. Na ocasião, os alunos chegaram a promover espetáculos — entre eles, um show do cantor Jards Macalé para mil espectadores. “A ocupação mostrou a necessidade de dar uma destinação ao espaço. Essa preocupação com o não uso do Canecão é nossa também. Só fiquei com receio de acontecer algum desastre lá dentro por causa das condições do local”, diz Vainer.

Datas comemorativas

O Canecão teria inúmeras datas redondas a festejar em 2014. Algumas: 45 anos da temporada da cantora Maysa, que rendeu o álbum ‘Canecão Apresenta Maysa’ (maio de 1969). Vinte e cinco anos do show em que Raul Seixas encontrou-se com o parceiro Paulo Coelho no palco (março de 1989). Quarenta anos do espetáculo ‘Brasileiro Profissão Esperança’, com Paulo Gracindo e Clara Nunes (setembro de 1974). Para o ano que vem, os fãs de MPB já poderiam esperar comemorações de 40 anos da temporada que uniu Maria Bethânia e Chico Buarque (maio de 1975) e de 30 anos do espetáculo ‘Assim Somos Nós’, para o qual Elymar Santos alugou (e lotou) a casa (novembro de 1985).

“Depois disso me chamavam para cada comemoração do Canecão”, diz Elymar, que prefere hoje nem ir à antiga casa de shows. “Fico muito triste. Aquilo era o templo da MPB e virou um templo da minha história. Tenho esperança de poder fazer esse show comemorativo de 30 anos lá. Mas, do jeito que sou louco, de repente boto um banquinho na praça em frente ao Canecão e canto lá.”

O pesquisador Ricardo Cravo Albin recorda o show de Maysa que originou o LP ‘Canecão Apresenta Maysa’. “Ela era muito ciclotímica. Ou estava muito mal, ou muito bem. Ela só quis fazer o show quando estava num estado perfeito. Fui à estreia e lembro da surpresa do público”, recorda Albin, que assistiu também à longa temporada de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Miúcha e Toquinho em 1977. “Foi um encontro de fraternidade, que também rendeu um grande disco ao vivo. O Canecão sempre rendeu grandes LPs . Foi nosso Carnegie Hall.”

Artistas estrangeiros como P.I.L., Echo & The Bunnymen, Uriah Heep, James Brown e Ramones também tocaram lá. Além de muitos nomes do rock nacional. “Lançamos o disco ‘Nunca Fomos Tão Brasileiros’ (1987) lá e foi uma consagração”, lembra Philippe Seabra, da Plebe Rude, que lamenta por duas lembranças ligadas à casa. “Perdi os shows do Echo e do Jerry Lee Lewis (em 1993) porque estava gravando com a Plebe e não deu tempo”, diz.

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