Rio - Outro dia vi em um filme que não lembro o nome — sou péssimo para nomes — uma cena em que um bandido, já na casa dos seus 50 anos, procura um antigo comparsa para conseguir um passaporte falsificado. O velho companheiro de crimes, enquanto prepara o documento frio, pergunta para o colega por que ele ainda exercia o perigoso ofício. O falsário, que tinha mudado de vida, estava casado e com filhos, diz então uma frase que muito me fez pensar: “Amigo, temos que nos cuidar. Já temos mais passado que futuro.”
Pronto. Foi por água abaixo a minha Síndrome de Peter Pan. Sopraram o pó de pirlimpimpim que me fazia voar de um lugar ao outro. Fizeram xixi na minha fogueirinha. Adolesci. Cresci na marra. Prestes a comemorar 45 anos de existência, a ficha caiu. O fato de ainda ser do tempo das fichas e dos orelhões, por si só, já me condena às dores pelo corpo, à preguiça de continuar correndo atrás de uma bola, a medos que nunca imaginei ter.
Então abro minha Bíblia, meu ‘Minutos de Sabedoria’: o livro com as obras completas de Fernando Pessoa. Mas, em vez de conforto — não ando mesmo procurando por isso —, o que vem é instigação nas palavras de Álvaro de Campos, um de seus heterônimos: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto/ Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, e a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer”.
Tem mais: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma/ De ser inteligente para entre a família, e de não ter as esperanças que os outros tinham por mim/ Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças, quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida”.
Não, não tenho esse pessimismo todo diante das coisas. Mas tem um lado cruel da vida que é a descoberta que já passamos da metade do caminho, que era mais fácil quando não percebíamos nada. Meu pai, provavelmente quando tinha a minha idade de hoje, fez uma música mais ou menos assim: “Preciso escutar o que minha mãe dizia e envelhecer com mais sabedoria”.
Ele, eu sei que conseguiu, assim como minha mãe e a geração deles. Todos sábios, todos conscientes e curados de erros e acertos. Todos envelheceram com sabedoria. Mas e eu? Bem, enquanto a sabedoria não vem, vou embalando meus saquinhos de Cosme e Damião, alimentando a criança que teima em me pagar pela mão e me levar para ver o dia. A criança que insiste em reunir os amigos para dançar, cantar e ter, sim, esperanças. Não as que os outros tinham por mim, mas as que nos fazem querer viver e envelhecer com mais sabedoria.