Por clarissa.sardenberg

A maior atuação que vi de um jogador de futebol foi a de Abecedário, atacante rompedor do Vila de Cava Futebol Clube, no jogo em que o Vila derrotou o Vale das Almas, time dos funcionários do Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na final da Taça Mariel Mariscot, uma espécie de champions league da Baixada Fluminense e do subúrbio carioca nas décadas de 1970 e 1980. Abecedário, em tarde infernal, fez quatro gols.

Esse jogo, porém, não ficou nos anais só pela estupenda atuação de Abecedário. Outro lance marcou para sempre a história do futebol. O Vila ganhava por 4 X 1 quando o zagueiro Carlinhos Amor de Mãe subiu mais alto que a zaga adversária, num escanteio cobrado com precisão por Aderaldo Miquimba, e testou no ângulo. A bola bateu no travessão, quicou dentro do gol e saiu. O árbitro, atendendo ao aceno do bandeira, confirmou o tento.

Aconteceu o inusitado. O chefão do time do Vale das Almas, Cidinho Catacumba, dono da funerária que bancava a equipe, invadiu o campo ao lado de nove capangas trepados, com o intuito de exigir a anulação do gol. Cinco já seria humilhação demais. Confabulou com o juiz e apresentou argumentos sólidos. Foi o suficiente para que a arbitragem mudasse de ideia. O gol foi anulado, para desespero de Amor de Mãe, que até então não tinha assinalado qualquer tento na carreira.

Dois anos depois — o jogo de várzea ocorreu em 1980 — a cena que marcou o clássico Vila de Cava X Vale das Almas se repetiu na copa do mundo da Espanha. No jogo França X Kuwait, quando os conterrâneos de Robespierre já venciam com folgas, o juiz validou o que seria o quarto gol francês. Os jogadores do Kuwait protestaram, alegando que a jogada já estava interrompida.

Nesse momento, impávido e colosso, adentrou o gramado o xeque Fahid Al-Ahmad Al-Sabah, presidente da federação kuwaitiana, vestido a caráter e acompanhado por um grupo de beduínos do deserto, armados de cimitarras próprias para degolar camelos. O xeque bradou impropérios e ameaçou o juiz russo com a convocação de uma jihad. O árbitro, diante da cena digna dos melhores momentos da saga de Ali Babá, anulou o gol com enorme autoridade.

A pergunta que fica desses relatos, rigorosamente fiéis e calcados em vasta documentação e testemunhos acima de qualquer suspeita, é inevitável: o xeque Farid Al-Ahmad Al-Sabah se inspirou no exemplo de Cidinho Catacumba, corretor funerário, para invadir o campo e anular um gol em um jogo de Copa do Mundo?

Eu acredito, fundamentado em evidências sólidas, que sim. O xeque não passou de um imitador de quinta categoria de um evento fabuloso da Baixada.

A bola bateu no travessão, quicou dentro do gol e saiu. O árbitro, atendendo ao aceno do bandeira, confirmou o tento

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