Rio - Minha lembrança anterior é a de estar com uns amigos em um botequim. Todos foram embora para seus lares, suas esposas, seus compromissos, e fui ficando ali para uma saideira, outra saideira e mais umas e mais outras. Juro que jogaram alguma coisa em minha bebida. Mas no meu boa noite Cinderela de botequim o final não foi em um motel de quinta categoria, sozinho, com o cartão estourado e aquele gosto de anteontem na boca. Foi pior.

Depois de um lapso de memória, aquele meu calcanhar sujo no chinelo de dedo, aquela bermuda velha e a cachaça Meia Lua deram lugar a uma festa elegante em uma mansão de um condomínio chique na Região Serrana. Não tenho a menor ideia de como vesti aquele terno, aliás, nem terno tenho. Mas eu estava impecável, a barba feita, um perfume suave, e já tocava a “pequena como artista de cinema em cenas sentimentais”, como no samba de Nei Lopes e João Nogueira.
De repente a moça resolve ir ao toilette, sim, porque bacana não usa banheiro e nem sequer o toalete aportuguesado, é toilette francês, como o champagne, com biquinho e tudo. E foi já empunhando uma champanhota que eu comecei a escutar uma conversa entre duas senhoras muito bem vestidas.
— Você acredita que outro dia saiu uma nota no jornal que eu tinha viajado para Paris? Vê se pode, é muita desinformação dessa gente. Desde quando rico viaja? Quem viaja é pobre, rico passa é temporada — contou a mais alta, com uma cara muito branca e já bastante esticada.
— Isso é uma falta de respeito — retrucou a outra, uma gordinha à la Botero.
Achei aquilo curioso. Nunca tinha pensado sobre aquela temática tão fundamental para o destino da humanidade. Eu já estava viajando em outra conversa sobre as safras de vinhos, uvas nobres, charutos e carros — sim, porque pobre viaja, não passa temporada — quando ouvi aquela voz que parecia a da mulher chata daquele palhaço do anúncio de cerveja ruim. Ela era bonita, usava um escarpim de sola vermelha do Christian Louboutin e um vestido Dolce & Gabbana. Como eu sabia desses detalhes? Simples, as duas outras mulheres já haviam criticado seu modelito.
— Na última vez que você esteve em Dubai não ficou com a sensação de que a cidade está melhor?
A pergunta absolutamente inusitada me fez ver que realmente alguma coisa deveriam ter botado na minha bebida. O que levaria alguém nesse mundo perguntar sobre as minhas impressões de uma cidade que não pretendo conhecer nesta vida, que está na última prateleira da lista de prioridades?
Pensei em inventar uma história qualquer, mas não sei nada sobre Dubai. Olhei em volta tentando me desvencilhar daquela situação enquanto ela esperava curiosa a minha resposta sobre a Meca do consumismo. Não, definitivamente aquilo era um pesadelo, a moça não saía do banheiro e minha cabeça começou a girar. De repente meus pés gelaram.
Uma voz ao fundo repetia meu nome. Era Gomes, o garçom, e o frio nos pés era da água, o sinal definitivo de que o estabelecimento tinha que fechar. Preciso parar com essa mania de cochilar no botequim.