Por clarissa.sardenberg

Rio - De artista para fã, no boca a boca. E gerando um ruído que só vai ser percebido pelas grandes gravadoras e pelas estações de televisão muito tempo depois. Estamos falando do rock, certo? Errado. “A música sertaneja funciona assim. As pessoas acham que o estilo é fabricado, mas o sertanejo universitário vende muitos discos independentes pela internet. Tanto que nenhum sertanejo faz discurso contra a pirataria de CDs. Eles foram muito ajudados por ela”, conta o historiador Gustavo Alonso, que lança na quarta, às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema, ‘Cowboys do Asfalto — Música Sertaneja e Modernização Brasileira’ (Ed. Civilização Brasileira, 560 págs., R$ 65).

O livro repassa o estilo e as mudanças que provocou no Brasil, transformando o mercado fonográfico e alavancando nomes como Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, Michel Teló. Uma história sujeita a preconceitos, alguns vividos até pelo próprio Alonso, 35 anos, morador de Niterói, que teve a ideia da obra ao fazer doutorado na França.

Lançando novo CD e DVD%2C Chitãozinho %26 Xororó planejam filme sobre a trajetória da duplaDivulgação

“Quando escrevi meu primeiro livro, sobre Wilson Simonal (‘Quem Não Tem Swing Morre Com a Boca Cheia de Formiga’), era mais fácil arrumar assunto com os amigos, eles se interessavam mais. Esse livro novo foi solitário”, diz. “Há toda uma rejeição ao sertanejo. Muitos críticos e acadêmicos rejeitam o estilo, especialmente no Rio. Falam que é um gênero comercial, mas a indústria musical caiu e o sertanejo continua fazendo muito sucesso.”

Gêmero incompreendido

As visões gerais sobre o estilo acabam patinando em desconhecimento. “Na morte do Cristiano Araújo, ficou uma turma quase se regozijando de não saber quem ele era: ‘Nunca ouvi falar, graças a Deus’”, lamenta Alonso, crendo que Cristiano, mesmo com muitos fãs, ainda buscava um espaço só seu. “Ele estava em ascensão e ainda não tinha feito um hit que levasse o sertanejo a outro patamar, coisa que o Michel Teló tinha feito com ‘Ai Se Eu Te Pego’. Não dava para diferenciá-lo ainda de outros astros jovens. Mas o mundaréu de gente comovida com a morte dele deu um susto em todo mundo.”

Morte do sertanejo Cristiano Araújo provocou comoção nacional Francisco Cepeda / AgNews

Chitãozinho & Xororó, quem diria, quase foram barrados numa gravadora grande, mesmo após vender mais de um milhão de discos com o hit ‘Fio de Cabelo’. “Quando foram contratados pela PolyGram (hoje Universal), o produtor deles teve um trabalhão para convencer a empresa. Foi um desgaste”, lembra Alonso. Mais: mesmo gente ligada a produtos populares demorou para perceber o fenômeno do sertanejo, no fim dos anos 80. “O primeiro empresário de Leandro & Leonardo ofereceu a dupla para a Promoart, empresa do (apresentador) Gugu Liberato, em 1987, e ele não quis. Depois o Gugu criou aquela dupla sertaneja Jean & Marcos, mas nem de longe conseguiu o mesmo sucesso”, conta Alonso, dando mais exemplos de que o sertanejo costuma sofrer com incompreensões.

‘Cowboys do Asfalto’ vai até o comecinho do estilo e passa pela enorme expansão do sertanejo na época da ditadura militar, quando começou a ser enxergado como grande vendedor. “A música sertaneja apoiou muito a ditadura. O Teixeirinha (cantor gaúcho) chegou a fazer uma música chamada ‘Presidente Médici’, mas não dá para ver isso como ‘lado A’ e ‘lado B’”, crê o autor. “Por outro lado, o Trio Parada Dura gravou ‘Natal De Um Órfão’. Em 1994, Zezé Di Camargo & Luciano falaram sobre meninos de rua que roubam para sobreviver em ‘Bandido Com Razão’. Há músicas sertanejas sobre reforma agrária, muita coisa que destoa do oba-oba pró-governo. Muitos sertanejos se engajaram no ‘Diretas Já’ (campanha de 1984 pelas eleições diretas para presidente).”

A extensa análise de Alonso foi escrita com base em muita pesquisa em jornais e revistas, e entrevistas “com quem quis ser entrevistado”, revela. Muitos grandes nomes do sertanejo não quiseram falar para ‘Cowboys do Asfalto’. “Tentei Chitãozinho & Xororó, Leonardo. Alguns falaram rápido por e-mail, outros nem isso. O livro foi feito antes de sair a lei das biografias. E muitos artistas têm aquela mesma visão do Roberto Carlos, de que a história deles é propriedade particular. A verdade é que se trata de um mundo que tem pouca intimidade com a palavra escrita”, relata.

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