Por daniela.lima
João Pimentel%3A Fui eu!Divulgação

Rio - Há alguns anos, no Concurso Nacional de Marchinhas da Fundição Progresso, uma ideia brilhante, mais uma, do Perfeito Fortuna, me classifiquei entre as dez finalistas com uma música carnavalesca que misturava o jogo de xadrez com o dono de uma igreja ganha-pão famosa. “Se o rei levou um xeque, o que que há?/ O bispo também quer levar”. Mas isso não é o mote da minha coluna. Uma outra concorrente, sim, é que é o assunto de hoje. Para mim, a pior das marchinhas que já chegou aos meus ouvidos. O autor da música, fomos saber depois, estava em tratamento psiquiátrico. Tinha apenas duas palavras, que se repetiam sobre uma melodia igualmente tatibitate: “Fui eu!”.

Intrigado, fui questionar um dos jurados sobre o porquê daquela coisa sem graça ter entrado entre as finalistas. O tal jurado, o querido artista plástico Xico Chaves, curiosamente, era quem havia convencido os outros magistrados carnavalescos da importância daquela composição. “Janjão, essa marchinha é genial!”, disse-me Xico, como que tentando me convencer também.

“A gente vive em um país em que ninguém é culpado de nada! Aí vem um maluco e diz para quem quiser ouvir: ‘Fui eu!’ É claro que ela tinha que entrar.”

Bem, achei aquilo uma maluquice mesmo, mas recolhi meus panos de bunda e fui cuidar da vida. É claro que aquela marchinha ficou apenas no conceito. Não tinha nenhuma chance de vingar no concurso. Mas ela nunca mais saiu da minha cabeça. Ela não, a expressão do Xico, a explicação do quão fundamental eram aquelas duas palavras. E não é que o amigo estava coberto de razão? Uma passada rápida pelas primeiras páginas dos jornais diários é suficiente para confirmarmos a tese do Xico de que ninguém é culpado de nada no lado de baixo do Equador. O mensalão tucano ou petista, a corrupção cotidiana da nossa PM, os 7 a 1 para a Alemanha, a falência do sistema de saúde, da nossa educação, o desrespeito com os idosos, com as crianças, com a nossa juventude, com o nosso futuro, nada! Nenhum culpado no cartório, no tribunal, nas cadeias. Nem o Bruno é responsável até hoje pela morte de Eliza Samúdio. Ninguém para ter a coragem de dizer: “Fui eu!”.

Uma piada recorrente da turma da imprensa esportiva versa sobre um treinador de futebol mais mascarado que talentoso. A cada vitória de seu time, ele dava declarações mostrando o quanto havia escalado bem, mexido bem no time, alterado com sucesso seu esquema tático. Mas nas derrotas seu dedo nervoso sempre apontava para o erro de alguém, para um culpado de prontidão. Sua lógica era clara: eu ganho, nós empatamos e eles perdem. Nesse caso o “fui eu” era só para as histórias de mocinho, não de vilão.

“Nunca conheci que tivesse levado porrada/ Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, disse sabiamente Fernando Pessoa em seu genial ‘Poema em Linha Reta’. Ou seja, é humana, universal, não apenas brasileira a omissão de nossos fracassos. Ou melhor, ou pior, das nossas derrapadas, falcatruas, dos nossos tropeços estrada afora. “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/ Que confessasse não um pecado, mas uma vilania/ Que contasse, não uma violência, mas uma covardia/ Não, são todos o ideal se os ouço e me falam/ Quem há nesse largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?”, continua o poeta.

É, Xico Chaves tinha razão, o suposto “maluco” idem e Pessoa também ao se declarar “farto de semideuses”. Então, já que ninguém é responsável por porra nenhuma, eu declaro minha máxima culpa. “Fui eu!!!”

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