Por daniela.lima

Rio - As dificuldades das mulheres que cumprem pena no Brasil vão muito além da segregação social ou da falta de vaidade a que são impostas. Nas penitenciárias femininas, as detentas convivem em condições desumanas, onde enfrentam desde a falta de papel higiênico até o preconceito com as relações homoafetivas. A rotina das cerca de 36 mil mulheres, segundo estimativa do Ministério da Justiça, é relatada no livro ‘Presos que Menstruam’, da jornalista e ativista dos direitos das mulheres Nana Queiroz, 29 anos, lançado esse mês (Record, 294 páginas, R$40). 

Nana Queiroz é autora do livro ‘Presos que Menstruam’Divulgação


‘’As prisões não estão preparadas para receber essas mulheres. Faltam absorventes, acesso à exames preventivos e até pré-natal elas têm dificuldades de fazer. Muitos bebês acabam nascendo no chão das penitenciárias", relata a ativista, que criou o movimento Não Mereço Ser Estuprada, no ano passado.

Tendo como fio condutor a história de sete mulheres, além de ter conversado com Suzane von Richthofen, o livro aborda questões delicadas como a maternidade e a homossexualidade, dentro dos presídios femininos. A jornalista conta que não foi difícil fazer com que as declarações viessem à tona.

‘’As próprias presas contavam sobre a sua relação umas com as outras. Elas falavam abertamente: ’Essa daqui é a minha mulher’. Até cantada por uma das presidiárias eu fui ’’, diz Nana, fazendo referência à Vera, uma das personagens do livro.

A maternidade é outro assunto presente em diversas histórias. Muitas vezes as mulheres devem optar entre entregar as crianças para um parente ou dar para adoção, ainda no período de aleitamento materno, devido às más condições das celas.

‘’Em alguns lugares a lei de 2009, que assegura às presas o período do aleitamento materno dentro dos presídios, não é cumprida, até mesmo por decisão da própria mãe’’, conta. 

Produtos de beleza, tão comuns para mulheres fora dos presídios, é artigo de luxo para quem está cumprindo pena. ‘’Para driblar as restrições, as presas usam a criatividade. Em um presídio que visitei em Brasília, por exemplo, usavam pó de fósforo para fazer sombra para os olhos e caneta preta como delineador’’, diz.

Para contrapor as versões dadas pelas presas, a escritora decidiu analisar as sentenças dos processos e conversar com promotores e autoridades. ‘’Ao ver os processos pude constatar que as presas não mentem. Elas apenas procuram justificativas para os crimes cometidos. Acredito que elas fazem isso por causa da nossa sociedade machista, que acredita que a mulher criminosa é pior do que os homens’’, diz Nana, que pesquisou o tema durante cinco anos e escreveu o livro em quatro.

Ao todo, foram cinco estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Distrito Federal e Bahia) e diversas penitenciárias visitadas, além de uma tribo indígena. A estratégia para se aproximar das presas foi entrar nas prisões como amiga das detentas, com a ajuda da família delas.

As agressões dentro do cárcere também são comuns nas histórias. ‘’Torturas comuns na época da ditadura militar como choque no bico do peito são comuns até hoje. Os próprios médicos e ativistas de direitos humanos que trabalham nessa área sabem disso’’. denuncia.

Os relatos do livro ganharão às telas em breve. A escritora ganhou um edital de apoio à cultura e vai produzir uma obra de ficção com base nas histórias que ouviu. As gravações começam no ano que vem.

Reportagem: Beatriz Calado

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