Rio - “...Seja você a mudança”, prega BNegão em ‘Nós (Ponto de mutação’), faixa que encerra ‘TransmutAção’, terceiro álbum do ‘rapper’ carioca — revelado nos anos 1990 como integrante do Planet Hemp — com seu grupo Seletores de Frequência. Nesse tema, composto por todos os músicos do grupo e gravado em clima de ‘dub’, BNegão fala em ‘mestres da mutação’ e ‘jardineiros da sabedoria’.
Disponível para ‘download’ gratuito a partir de hoje, no portal do projeto Natura Musical, o disco — que ganha edição física em CD em setembro — mostra que BNegão & Seletores de Frequência sintonizam misticismo que evoca Tim Maia (1942 - 1998) na fase Racional, quando o cantor estava ligado à seita Universo em Desencanto, em 1974 e 75.
‘TEM QUE TER SUOR E SUINGUE’
“Dias luminosos virão”, prevê BNegão, encarnando o Messias em ‘Dias de serpente’, parceria do ‘rapper’ com Pedro Selector, músico que sopra os metais da banda. Com tambores que evocam a mãe África , o rap ‘No ar (Convocação)’ gira no ritmo da ciranda e reitera o tom messiânico do disco.
Menos inspirada do que os repertórios dos dois álbuns anteriores do grupo, ‘Enxugando gelo’ (2003) e ‘Sintoniza lá’ (2012), a safra inédita e autoral de ‘TransmutAção’ se escora no ‘groove’ do grupo. BNegão & Seletores de Frequência misturam rap, funk, samba, ‘surf’ rock (no instrumental ‘Surfin’ astatke’) e saudações afro-brasileiras (feitas nas formas das vinhetas ‘Agô’ e ‘Um tema para Iemanjá’) com som azeitado. O ‘groove’ redime as melodias ralas.
Tema levado na batida do rap, ‘No momento (100%)’ é o melhor exemplo da habilidade do grupo para reprocessar o suingue ‘black rio’ dos anos 1970 em tom contemporâneo. “Tem que ter suor, mas tem que ter suingue’, decreta BNegão em verso da música.
ARRANJO DE 1932 É INSPIRAÇÃO
É com suingue que o grupo se apropria de ‘Fita amarela’. O samba do compositor carioca Noel Rosa (1910 - 1937) é inserido em ambiente de gafieira. BNegão & Seletores de Frequência dão baile com arranjo de longas passagens instrumentais, inspirado na gravação feita em 1932 pelos cantores cariocas Francisco Alves (1898 - 1952) e Mário Reis (1907 - 1981) com a orquestra da gravadora Odeon.
Sem o tom raivoso dos discos de rap, ‘TransmutAção’ inclui até samba à moda carioca, ‘No amanhecer’. Mas também faz suas críticas. ‘Mundo tela’ alfineta as pessoas que vivem a vida somente pelas telas de celulares, computadores e televisões.
Quanto menos messiânico, mais sedutor soa o terceiro álbum de BNegão & Seletores de Frequência. Sintoniza lá...