DetonautasBruno Kaiuca

Rio - O Detonautas Roque Clube acaba de lançar seu sétimo disco de estúdio. Com um nome bastante sugestivo e que faz alusão a esquemas de corrupção, o 'Álbum Laranja' traz 11 canções que são crônicas da dinâmica política, social e econômica do Brasil. Vocalista da banda, Tico Santa Cruz conta que a ideia do projeto veio a partir de um retorno orgânico do público a um de seus trabalhos.


"No começo da pandemia, em março, nós já estávamos fazendo um disco com temas relacionados a questões existenciais como medo e angústia. Enfim, sentimentos que a pandemia trouxe. E em julho, eu fiz uma música chamada 'Carta ao Futuro', que tinha uma abordagem mais política. Como eu tinha colocado essa música no Facebook numa noite e, no dia seguinte, ela já estava com mais de 150 mil visualizações, eu falei para a galera que achava que a gente tinha um caminho de interesse coletivo ali. As pessoas queriam ouvir músicas falando sobre isso. A gente teve um debate para saber como ia seguir, e a maioria das pessoas optou por seguir por esse caminho da temática social e política. Aí a gente lançou a música e ela teve uma repercussão muito grande, foi muito positivo", comemora Tico, ao lembrar sobre o ponto de partida do álbum que, segundo ele, se alinhou ao trabalho de outros artistas.

"Depois que a gente lançou, eu vi muitas bandas lançando, bandas que não são tão famosas. E agora eu começo a ver artistas que são mais famosos também lançando. Não que a gente tenha desencadeado isso, mas acho que a situação desencadeia essa perspectiva de você compor a respeito do que está acontecendo politicamente no país, principalmente no caos como o que a gente está vivendo agora", declara o artista.

Abordagem inteligente

O caos político e social, intensificado pela pandemia, virou objeto de crítica nas letras das músicas. Mas para Tico, a proposta era fazer com que esse embate fosse realizado de uma forma menos bélica. "Eu utilizei muito do recurso da ironia e do sarcasmo para fazer com que as músicas tivessem uma outra pegada, que não fosse uma coisa de ódio. A gente ter pego esse lado mais leve, mas ao mesmo tempo crítica, funcionou muito bem pra gente", explica o vocalista, que revela receber muitas críticas por conta de seu posicionamento político.

"Desde 2014, eu venho sendo sistematicamente atacado porque me levantei contra o impeachment da Dilma, no sentido da defesa da democracia, que é o que eu estou fazendo agora também. Eu venho sofrendo ataques, ameaças e uma série de outras retaliações desde 2014, mas tento administrar na minha cabeça como uma fase que a gente está vivendo, que é uma fase histórica, e que dentro dessa fase, fazem parte esses cenários, que são cenários ameaçadores. E eu me protejo, protejo minha família e tento seguir. Se eu me silenciar, vou estar dando força para que eles façam isso com outras pessoas também", declara.

Representatividade

Quando se fala sobre representatividade dos famosos, às vezes se esquece da representação política que esses indivíduos podem ter na sociedade. Nesse sentido, Tico fala sobre a gravidade abster em momentos de crise.

"O silêncio também é uma posição política. A gente não sabe o que motiva uma pessoa a se silenciar ou não. O fato é que quando você tem mais de 530 mil pessoas mortas no seu país, um presidente que coloca sistematicamente a democracia em xeque, uma movimentação de corrupção, de suspeita de corrupção com vacinas que eram formas de salvar vidas das pessoas, você olha pra isso e pensa 'como eu posso colaborar para isso?'. Eu não tô falando de colaboração ideológica, não se trata de você assumir uma postura de direita ou de esquerda nesse momento. Se trata de você assumir uma postura de humanidade, de vida, de democracia, de empatia. Então quem está em silêncio também está se manifestando politicamente. Eu acho que, no futuro, quando a gente for fazer uma revisão histórica do que tá acontecendo, esse silêncio vai dizer muito também a respeito de quem poderia estar falando e resolveu não abrir a boca", reforça.