Rio - Tatiana Tiburcio, de 47 anos, é um dos grandes destaques de "Garota do Momento", da TV Globo. Na trama, a atriz dá vida à Vera Machado, mãe de Ulisses (Ícaro Silva) e mulher de Sebastião (Cridemar Aquino). A personagem é uma das fundadoras do Clube Gente Fina. Lá, Tia Vera, como é conhecida, canta e faz parte do coro de pastoras do clube. Em entrevista ao DIA, a artista, que fez a sua estreia na televisão na minissérie "Suburbia" (2012), da TV Globo, e integrou o elenco de novelas como "Meu Pedacinho de Chão" (2014) e "Sol Nascente" (2016), dá detalhes sobre o novo trabalho, comenta o sucesso do folhetim de Alessandra Poggi, fala sobre a luta do movimento negro e revela planos para 2025. Confira!
- Tatiana, como foi a construção da sua personagem em 'Garota do Momento'. Você tem algo em comum com a Vera?
A construção dessa personagem foi bem prazerosa, visto que a Vera é uma compilação de muitas mulheres que conheço, admiro e respeito. Ela reflete, para mim, uma postura das mulheres de uma época onde a gente enquanto mulher preta, tinha muito poucas possibilidades de existir fora de um imaginário de coletividade. A gente tinha pouca voz e, então, a nossa resistência precisava ser ainda maior. E apesar da Vera estar dentro de um espectro de servidão e tudo mais, que eu costumo chamar o 'espectro da Tia Nastácia', ela tem consciência desse lugar imaginado para ela, não que fosse o lugar dela, obviamente, mas o lugar imaginado para ela pelo olhar do outro, mas ela também tem consciência de quem ela é e do lugar que ela quer ocupar e do lugar que ela realmente ocupa. Essa perspectiva me interessa, me seduz e foi o que me encantou para aceitar o convite.
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- Vera é uma das fundadoras de um dos locais mais importantes da novela, o 'Clube Gente Fina', lá muitas histórias são desenvolvidas. Além disso, qual é a importância de um espaço de resistência, cultura e diversão, principalmente para a comunidade negra carioca na trama?
É importante por ser um lugar de resistência, por ser um lugar de valorização da identidade cultural de um povo invisibilizado, com uma tentativa de subjugo grande sobre seus corpos, e sobre sua cultura. Então os clubes negros da época era um lugar onde essas pessoas podiam resistir, se reencontrar consigo e com os seus. Eram lugares que fomentavam o compartilhamento da educação. Existiam grupos do EJA ( Educação de Jovens e Adultos) dentro desses clubes, era um lugar que valorizava a beleza desses corpos através dos concursos de beleza negra. Valorizava a culinária, a música e a dança. E era um lugar de encontro de valorização ideológica e política também. Então, assim como ainda hoje a gente tem os nossos quilombos urbanos, de resistência, de reencontro e de reconexão, se faz necessário, porque é como se a gente pudesse recarregar as nossas energias e entender de onde viemos e para onde queremos ir.
- 'Garota do Momento' está fazendo bastante sucesso e tem um grande impacto nas redes sociais pelos temas abordados e pelo elenco como um todo. Como você tem se sentido ao ver tantos elogios em relação a novela e ao seu trabalho? Você acompanha a repercussão nas redes?
Eu fico extremamente feliz com o sucesso da novela e com a boa receptividade da minha personagem. E é bastante satisfatório. A gente começa um trabalho buscando fazer o melhor e quando a gente vê que esse melhor está sendo bem recebido, é a coroação de um esforço. E isso é sempre muito bom. Acompanho (a repercussão) mais ou menos, não sou tão ligada nas redes sociais, mas acho que o grande impacto dessa boa receptividade, reside no fato de se comprovar que busca um olhar mais ampliado, e consequentemente mais justo e igualitário. O que Alessandra Poggi (autora) faz com a concepção dessa novela, é dar luz, dar vida a um olhar que pergunta: E se naquela época a gente tivesse a compreensão que a gente tem hoje? Como seriam esses personagens? Como eles reagiriam? E que histórias eles estariam?
- Você tem a oportunidade de cantar na novela. Como tem sido essa experiência? Quais são os seus cantores favoritos? Você se inspirou em alguma cantora?
Eu adoro cantar, mas eu nunca fiz aula de canto, então estou me esforçando bastante para fazer tudo direitinho. Sempre quis fazer um personagem que cantasse, mas como sou muito tímida e não tenho o domínio técnico da coisa, ficava sempre intimidada. Quando a Alessandra me deu essa oportunidade, eu fiquei: 'Ai meu Deus, eu não acredito', mas eu achei maravilhoso e eu estou tentando fazer direitinho. Acho que tá funcionando. Bom, são muitas as cantoras que eu adoro, que eu curto a voz, que eu curto estilo como Alcione. Sade Adu, Lisa Stansfield, Alicia Keys, Zélia Duncan, dos mais variados estilos, eu sou muito eclética no meu gosto musical.
- Você está em cartaz com a peça 'Ponciá Conceição Evaristo', no Rio. Fale sobre a importância dessa obra na subjetividade das mulheres negras?
A obra da Conceição como um todo é uma um presente, um bálsamo para o eco de muitas angústias e de muitos questionamentos nossos, no caso de mulheres pretas. Ela dá uma voz através da poesia da subjetividade. Há angústias e alegrias também aos nossos olhares, ao olhar do nosso sentir, e isso é maravilhoso. Conceição faz isso como ninguém porque ela parte do conceito da escrevivência, conceito criado por ela mesma, que é a escrita a partir da própria experiência. Como ela diz, é a fala mais próxima do cotidiano da linguagem oral daquilo que expressa sem filtros gramaticais e ortodoxos, não que não tenha erudição nessa nessa fala e nessa escrita, mas que não está presa a esses filtros ortodoxos de uma linguagem que não é nossa, de fato, enquanto matriz, enquanto essência e princípio. Acho que é por isso que comunica tanto, e por isso é tão importante para nós enquanto mulheres pretas. Porque a gente tem a descrição do nosso sentir a partir do nosso sentir. É a linguagem mais próxima possível do cotidiano como a própria Conceição diz.
- A sua personagem na série 'O Jogo que Mudou a História', do Globoplay, é um retrato da realidade de mulheres que não abandonam o marido quando é preso, mantendo-se fiel e abdicando da própria vida. Quais foram os desafios na construção dessa personagem?
A Jaqueline talvez tenha sido um dos maiores desafios para mim nos últimos tempos, porque é esse lugar que, enquanto pessoa Tatiana, eu tenho algumas questões em relação a esse tipo de posicionamento feminino. Por um outro lado eu entendo tão bem a Jaqueline, eu compreendo o desejo e o sentir dela e isso só foi possível porque junto com o Buca (Bukassa Kabengele) e com os diretores. A gente conseguiu colocar como foco principal o que realmente uniu esse casal, que é o amor, e esse amor que não é o estereótipo do amor bandido. Não é a paixão, não é o tesão, não que isso tudo não esteja presente, mas o que rege e o que guia todos esses elementos e que mantém essa mulher ali naquela condição mesmo tendo a possibilidade de alçar outros voos é o amor por aquele homem, e que se mostra digno desse amor na medida do possível, dentro da realidade que eles vivem.
- Como você vai passar o seu fim de ano? Eu ainda não sei, já está chegando, né? Tá pertinho. Eu ainda não decidi. Mas provavelmente eu vou fazer o que eu faço quase todo ano. Natal com o meu filho e Ano Novo com a família.
- Qual balanço você faz de 2024? E o que espera de 2025?
2024 foi um ano muito abençoado, eu colhi muitos frutos de tudo que vem implantando na minha trajetória profissional e foi um ano que me deixou bastante feliz, porque eu pude ratificar alguns posicionamentos e pensamentos e ver que é isso mesmo que eu quero, que eu tô no caminho certo daquilo que eu planejei para mim. Pessoalmente tive perdas que me custaram muito, um tio, uma prima foram embora muito rapidamente, num susto muito grande, eles fazem muita falta, mas eu acho que eu fui um ano que expressou como é a vida de fato, entre choros e risos. É a forma como a gente vai se construindo e se consolidando.
*Reportagem do estagiário Lucas Adeniran, sob supervisão de Isabelle Rosa