Rio - A cobrança de socorro financeiro ao Rio de Janeiro feita por políticos e parlamentares cariocas parece ter surtido efeito. Logo após encontro entre o governador em exercício do estado, Francisco Dornelles, e o prefeito Marcelo Crivella para discutir saídas para a grave crise do estado, o presidente Michel Temer determinou que o BNDES desembolse R$ 3 bilhões para comprar ações da Cedae, companhia de águas e saneamento do estado.
E a pressão veio por todos os lados: lá em Brasília, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para agilizar as pendências do estado a fim de acelerar as medidas de ajuda financeira.
Nos bastidores, diz-se inclusive que o presidente Michel Temer estuda publicar uma lei federal que autoriza a compra, e que a negociação do banco público seria uma forma de antecipar a operação e viabilizar a chegada de recursos para o Estado do Rio. Isso porque as ações da Cedae servirão de garantia para empréstimo bancário (de instituições privadas) de R$ 3,5 bilhões ao Rio. O montante ajudará o governo fluminense a quitar os atrasados do funcionalismo.
Ou seja, o BNDES compraria a companhia por R$ 3 bilhões e as ações que ficarão sob posse do banco público seriam revendidas ao mercado. A diferença do valor pago e a receber seria entregue ao estado.
Para ser concretizada, a medida ainda passará por análise no BNDES, com o governo do Rio e com a Cedae. O ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral) se reunirá na segunda-feira com a cúpula do banco e o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) para ajustar os detalhes da proposta.
A venda da companhia divide opiniões. Para Raul Velloso, especialista em contas públicas e ex-secretário para Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, a negociação dará fôlego financeiro ao estado. “Acredito que com a entrada desses recursos e o alívio fiscal, as finanças do Rio comecem a entrar nos trilhos”, avalia.
Mas para Bruno Sobral, economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj, a venda da Cedae “é queima de patrimônio público do Estado do Rio”. “O contexto desse processo não é uma discussão setorial séria sobre saneamento. O debate exige uma discussão de política setorial e marco regulatório muito mais séria”, adverte Bruno Sobral.
Segundo o economista Mauro Osório, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, “a venda da Cedae pode dar algum alento à economia fluminense”. Ele adverte, no entanto, que a compensação da queda da receita do ICMS ajudaria a tirar o estado da grave crise financeira em que se encontra.
Ação no STF contra a venda
A negociação entre Cedae e BNDES pode ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), avalia Humberto Lemos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio e Região (Sintsama-RJ), que representa os funcionários da Cedae.
Está em andamento na Corte uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para impedir que estatal de água e saneamento do estado seja vendida. “Temos três pareceres que mostram que a lei que trata da alienação das ações da Cedae é inconstitucional”, afirma Lemos.
Ele informa que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 5.683), está em análise pelo ministro Luís Roberto Barroso, no Supremo. “Já conversamos com a chefe de gabinete do ministro e estamos na expectativa de uma possível liminar para suspender toda essa irregularidade”, acrescenta.
‘Instabilidade jurídica’
Em meio às incertezas sobre o futuro da companhia, a preocupação dos funcionários da Cedae aumenta. Eles são empregados públicos (regidos pela CLT, mas com algumas garantias constitucionais de estabilidade) e temem demissões em massa.
Presidente do Sindicato da categoria (Sintsama), Humberto Lemos disse que há uma “instabilidade jurídica”. “Somos concursados celetistas de empresa de economia mista. Ingressamos no serviço público por concurso. Se a privatização se concretizar haverá necessidade de lei para regularizar a situação dos ativos. E como ficariam os aposentados e pensionistas?”, indagou.
O especialista em Direito Administrativo e professor da PUC-Rio, Manoel Peixinho, é claro: caso haja privatização da estatal, ou seja, se o controle acionário for do setor privado, os funcionários poderão ser ou não incorporados ao quadro da (nova) empresa.
“Se for privatizada os funcionários perderão garantias que têm como empregados públicos celetistas, como a estabilidade. Hoje, a Constituição garante que empregado público não pode ser demitido imotivadamente. Tem que passar por processo administrativo”, explicou. Peixinho relembrou ainda o que ocorreu quando a Vale do Rio Doce foi privatizada: os funcionários foram incorporados ao quadro da empresa privada, mas perderam garantias de estabilidade.
Os empregados poderão ser demitidos, desde que todas as verbas trabalhistas e FGTS sejam pagas. Na hipótese de a estatal ficar sob controle do BNDES, Peixinho diz que seria inconstitucional eles passarem a ser incorporados ao quadro do banco público, já que para isso é necessário concurso. “De repente, fariam um ‘puxadinho jurídico’ para proteger essa situação”.