Entidades afirmam que governo federal tenta esvaziar lei de aprendizagem da sua principal funçãoPixabay

Rio - Na semana passada, o governo federal recuou de uma das mudanças propostas que descaracterizaria o programa de aprendizagem no Brasil e previa a não obrigatoriedade do jovem na escola. No entanto, ainda continua-se discutindo medidas para reformular o projeto. Entidades que fiscalizam o cumprimento da aprendizagem no país alegam que o programa tem sido alvo de mitigação e elitização. Segundo eles, as mudanças que haviam sido propostas tinham o objetivo de esvaziar a lei da aprendizagem e retirar sua principal função social que é a inclusão de jovens em vulnerabilidade social no mercado de trabalho.
Para Elisabeth Pelay, diretora-adjunta do Instituto Brasileiro Pró-Educação, Trabalho e Desenvolvimento (ISBET), o programa tem duas funções sociais. Ao jovem, o programa proporciona a manutenção no ensino regular e capacitação profissional. "Mais que isso, sua formação como cidadão. Sua autoestima se eleva, o aprendizado acontece e o potencial profissional se amplia", disse ela. 
Para a sociedade, de acordo com Elisabeth, isso significa uma queda no número de pessoas em risco social ou sujeitas à marginalização, além de contribuir para a diminuição de índices de criminalidade, assim como para a redução da exploração do trabalho infantil, aumento de renda familiar e quebra do ciclo da pobreza. 
O Grupo de Trabalho foi criado no fim do ano passado pelo Ministério do Trabalho e Previdência para discutir o programa de aprendizagem profissional e a empregabilidade de jovens no mercado de trabalho brasileiro. De acordo com a pasta, o objetivo do grupo era ampliar o cumprimento da cota de aprendizagem pelas empresas e resolver “o déficit histórico de vagas não preenchidas". 
Entretanto, além da proposta de remover da lei seu principal ponto e permitir que empresas contrate jovens sem seguir a exigência de que todos estejam matriculados na escola, da qual o governo já recuou, ainda há, segundo Valclecia Trindade, representante da Força Sindical no grupo de trabalho, a proposta do governo que prevê a diminuição da quantidade de cotas para a contratação do Jovem Aprendiz e debates sobre a questão da aprendizagem.
Entidades que trabalham com o programa de aprendizagem no Brasil alegam que o programa já sofreu diferentes tentativas que tentam desconfigurar e elitizar a entrada dos jovens no mercado de trabalho. "Não é de hoje que o governo tenta ‘acabar’ com o Programa de Aprendizagem nos moldes atualmente concebidos, com foco prioritário no atendimento de adolescentes em situação de vulnerabilidade social", afirma Elisabeth.
Ela lembra, por exemplo, a emenda apresentada ao projeto de lei de Conversão da Medida Provisória 1.045/2021 que previa a criação do Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), que não estabelecia vínculo empregatício entre o jovem e o empregador.
Os contratados por essa medida eram contados para a cota obrigatória de aprendizes na empresas (a lei do aprendizado de número 10.097/2000 diz que empresas de pequeno e médio porte devem reservar no mínimo 5% e no máximo 15% para o programa). A medida foi rejeitada pelo plenário do Senado.
Uma fonte ligada a fiscalizações de jovens aprendizes do Rio de Janeiro relatou a dificuldade enfrentada atualmente no cumprimento da cota de aprendizagem. "Com 21 anos de existência do programa, nós estamos lutando para as empresas inserirem a cota mínima de 5% de aprendizes. Aí vem o governo, desprezando essa lei, desfocando os movimentos ao invés de reafirmar o programa", disse a fonte.
Ainda segundo esse fiscal, há intenção, por parte do governo, de dificultar a inserção de aprendizes no mercado de trabalho atendendo uma demanda empresarial.
"A empresa que não quer contratar aprendiz vê as vantagens do programa como pagar os 2% de FGTS ao invés dos 8%, além do contrato com prazo pré-determinado, como um custo. Ela não quer ter um contrato a mais porque isso é custo para ela. Então é preferível que se mitigue a lei da aprendizagem e que cada vez mais seja difícil ter uma base de cálculo plena para criar dificuldades para inserção de aprendizes no mercado", disse o fiscal. 
O ISBET também questiona o propósito do Grupo de Trabalho e sua composição, e afirma que grupos estão na ponta do processo, sem serem convidados para compor o grupo, dialogando apenas com as empresas para a inserção dos jovens.
"Não é cabível que se delibere sobre o programa Jovem Aprendiz sem os principais envolvidos e conhecedores do tema, que são, primeiramente os próprios jovens, a Secretária de Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e as entidades qualificadoras da sociedade civil", pontua Elisabeth.
Questionado, o Ministério do Trabalho e da Previdência disse que a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) possui um representante no Grupo de Trabalho da Aprendizagem Profissional entre os membros indicados pelo governo.
"Esse GT foi instituído por decisão do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), órgão tripartite, com representação paritária de trabalhadores, empregadores e governo. Com relação às entidades citadas pela reportagem, elas não compõem o governo e nem representam trabalhadores ou empregadores, não havendo, portanto, indicação de membros", afirmou a pasta.
Além disso, completou dizendo que o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e diversas outras instituições ligadas na aprendizagem profissional participaram de reuniões do GT recentemente, com espaço para exporem suas visões e diagnósticos sobre a aprendizagem profissional. Cabe ressaltar que o CIEE disse, em suas redes sociais, que "o Programa Jovem Aprendiz está em risco em todo Brasil" e lançou a campanha #NenhumAprendizaMenos. Porém, recentemente apagou as postagens.
A diretora-adjunta do ISBET lembra que no mês passado foi criado uma comissão especial para falar sobre a lei de aprendizagem e disse que é desse trabalho que deveriam sair todos os debates referentes ao tema e não de um Grupo de Trabalho. "A Comissão Especial foi criada com o intuito de agregar importantes debates em voga, além de poder resultar na geração de interessantes proposições legislativas, ouvindo todos os interessados pela política pública em questão", afirmou Elisabeth.
 *Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso