ACM MangueiraDivulgação: ACM Mangueira

Rio - Não só de carnaval vivem as escolas de samba do Rio de Janeiro. Algumas mantêm projetos sociais que buscam ajudar jovens, adolescentes e adultos a entrar no mercado de trabalho. Na Estação Primeira de Mangueira, por exemplo, os tambores e tamborins são trocados por lousas, canetas, mesas e cadeiras. Há 35 anos a agremiação possui programas de capacitação como o Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro da Mangueira (Camp Mangueira), que atua qualificando jovens da comunidade e de fora dela para dar o pontapé inicial na vida profissional.
O projeto, que possui parceria com mais 160 empresas, já capacitou e encaminhou mais de 19 mil jovens e adolescentes para o mercado de trabalho através do programa de aprendizagem. Em 2022, 18% dos desligamentos do Camp que foram realizados ocorreram porque os participantes foram efetivados no meio corporativo. Cerca de 60% dos integrantes concluem o contrato firmado entre o projeto e as empressas.
Segundo o administrador do projeto, Antonio Carlos Ferreira Lopes, os participantes têm carteira assinada e todos os direitos garantidos por lei. Além disso, eles passam por um curso de formação inicial, o Programa de Integração ao Mundo do Trabalho (PIMT), no qual são preparados por psicólogos para entrevistas de emprego, enquanto a equipe de serviço social aborda direitos e deveres do trabalhador, e os pedagogos passam orientações acerca das atitudes e habilidades dos candidatos.
"Uma vez que concluem esse PRIMT, eles estão aptos a serem encaminhados às empresas que fazem parceria conosco. Se a empresa precisa contratar um aprendiz para cumprir a cota legal, ela entra em contato com o Camp, faz um convênio, e a gente encaminha os jovens dentro do perfil que a empresa solicitou. Eles fazem todo o aprendizado prático na empresa e teórico no CAMP", explicou.
O programa, que começou em uma sala emprestada em uma escola municipal, hoje possui sede própria na Zona Norte do Rio, com mais de oito salas, laboratórios e refeitório. O grupo também oferece outros programas como o de Qualificação Profissional de Nível Básico de Programador Front End, Auxiliar Administrativo, Aprendizagem em Comércio e Varejo, e Aprendizagem em Asseio e Conservação que orienta sobre a limpeza e conservação de espaços públicos e privados, além de contribuir para formação humana e cidadã dos participantes.
"O fato de serem prioritariamente de baixa condição social e oriundos de comunidades terem no Camp a oportunidade de ingressar em uma empresa permite demonstrar toda sua vontade de acertar. Em condições normais, esse jovem, se procurasse uma empresa, dificilmente seria aceito — o que não acontece quando encaminhado pelo Camp", explica o administrador do programa.
 
Nikolas Ferreira, de 20 anos, é um dos jovens que faz parte do Camp Mangueira. Ele conta que entrou para o programa de jovem aprendiz no início de 2022 e que conheceu o projeto por indicação do pai. "Ele trabalhava em uma das empresas parceiras da associação e procurou saber mais sobre. Além de ter me apresentado o projeto, ele também foi meu maior incentivador", lembra.
"Eu ainda faço parte do programa. Tudo tem sido uma experiência bastante legal! Sinto que a minha passagem pelo projeto, seja no Camp ou na empresa, está me trazendo mais maturidade para o mercado de trabalho e conhecimentos que levarei comigo durante toda minha trajetória profissional", afirmou.
O jovem ainda relata que o projeto proporciona aos aprendizes experiências que são importantes para o mercado de trabalho, mas que também vão além do espaço corporativo, como o relacionamento interpessoal, a descoberta de novos lugares e culturas dentro da própria cidade do Rio.

"Como o programa recebe jovens de todo o Rio de Janeiro, pude sair um pouco da minha bolha regional e conhecer pessoas de vários lugares, com diferentes particularidades e histórias. Acredito que essas troca de experiências são extremamente importantes para meu crescimento pessoal e com certeza refletem no lado profissional da minha vida", ressalta Nikolas.
Ferreira destaca as dificuldades que os jovens oriundos de famílias com condições econômicas e sociais desfavoráveis enfrentam por falta de direcionamento para conseguir uma oportunidade e a importância que o projeto da Mangueira.
"Apesar de mercado de trabalho estar se tornando cada vez mais elitizado, muitos jovens nunca tiveram as ferramentas e o direcionamento necessários para que possam se aprimorar e conseguir seu primeiro emprego. O Camp muda vidas porque acolhe essas pessoas e as desenvolve. Ele faz isso dando treinamento e oportunidades para esses jovens. Isso fica bem claro para quem é aprendiz do programa e tem a chance de vivenciar a experiência", frisa.
Para participar do projeto, os jovens precisam preencher alguns pré-requisitos. Como ter entre 15 e 21 anos e ser estudantes a partir do 9º ano no turno da noite, ou com ensino médio completo.
Os interessados podem ser inscrever on-line por meio do site do projeto (www.campmangueira.org.br) e fazer a inscrição clicando no formulário. Já as empresas que quiserem fazer parceria com o Camp Mangueira e contratar um jovem aprendiz devem entrar em contato pelo site do projeto ou ligando para (21) 3297-7350.
Instituto Profissionalizante Mangueira
Outro projeto inserido no programa social da escola é o Instituto Profissionalizante Mangueira (IP Mangueira). Ele foi criado há 22 anos e também tem como objetivo a qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho. O projeto atende alunos a partir de 18 anos, com um olhar direcionado ao público mais velho.
O programa, que já formou mais de 5.800 alunos, oferece cursos voltados para a área da beleza — corte, penteados, manicure, maquiagem e depilação—, mas também para outros segmentos, tais como assistente administrativo, operador de logística, técnicas de montagem Drywall e assistente de Recursos Humanos. Cada curso tem uma carga horária específica, que pode variar de 120 a 260 horas.
"A gente desenha os nossos cursos de acordo com a necessidade do mercado. Entendemos que não basta só qualificar; temos que encaminhar esses profissionais. Em todos esses anos, não conheci outro método de inclusão que não passe pela educação, ou como empreendedores ou com carteira assinada no mercado formal", explica a diretora do instituto, Patrícia Baracho.
Segundo Patrícia, todos os cursos oferecidos são contemplados com módulos de Educação Financeira e Gestão Empreendedora. "A gente entende que ele tem que se qualificar e entender como planejar a sua vida de curto, médio e longo prazo. Falamos sobre gestão empreendedora. Temos a educação financeira não como uma palestra, mas como um curso. O aluno só sai com a certificação se completar esses módulos", explica.
O programa possui de 75% a 80% de empregabilidade no mercado de trabalho, com o índice mais direcionado ao Microempreendedor Individual (MEI). O curso que desperta o interesse dos participantes do projeto é o de beleza, que possui parcerias com salões do Rio de Janeiro e conta com o patrocínio de uma empresa holandesa.
"A nossa professora hoje é uma ex-aluna do IP e é moradora da comunidade. A gente precisa disso, de mais exemplos, de mais pessoas conectadas, para que realmente a gente mude esse cenário que estamos vivendo hoje", concluiu a diretora.
Marielle Gomes, de 26 anos, é uma das muitas alunas beneficiadas pelo programa IP Mangueira. Antes de participar do projeto, ela estava há quatro anos desempregada, fazia cabelos em casa, mas ainda não tinha o conhecimento técnico fornecido pelo instituto.
A jovem contou que conheceu o curso através de um parente e decidiu não perder a oportunidade de se especializar: "Foi a prima do meu marido que me contou sobre o projeto. Foi a realização de um sonho me especializar em cabelos, me aperfeiçoar no que eu já sabia e aprender o que eu não tinha prática nenhuma".
"Assim que conclui (o curso), uma semana depois, eu já estava no mercado de trabalho, por indicação do IP Mangueira. Eu evolui bastante tanto como profissional quanto como pessoa. Eles mudaram a minha vida da água para o vinho, porque estava desacreditada da possibilidade de entrar novamente no mercado de trabalho", conta.
 
Davi Santos, de 30 anos, é ex-morador da comunidade da Mangueira, e entrou no projeto quando ainda tinha 15 anos. Na época, o instituto contava com uma parceria que possibilitava o fornecimento de cesta básica e o pagamento de um auxílio de R$ 90. Santos conta que decidiu participar e fazer o curso pensando nos benefícios, mas não imaginava o quanto a iniciativa mudaria a sua vida.
"Eu tenho uma história com esse projeto. Entrei com essa intenção, mas acabei dando segmento na área. O programa me colocou para ser representante em uma grande empresa, como se fosse um trainee. Durante esse tempo, pude ter esperança na vida. Percebi que a vida não era só aquilo que eu via na comunidade, que há esperança com a educação", relembrou.
Santos fez o curso de instalador que incluía os módulos de auxiliar de eletricista, auxiliar de encanador e montador de móveis planejados. Ele seguiu carreira na área de eletricista e conseguiu crescer profissionalmente.
"O IP Mangueira fez e ainda faz diferença na minha vida e mudou a de diversos amigos meus. Eles ainda estão na área, trabalhando, se dedicando. Hoje eu estou acabando a minha segunda faculdade, tenho uma posição boa na empresa em que trabalho, isso eu agradeço a base que tive a oportunidade de ter através do instituto", afirmou.
"Muitos dos seres humanos, principalmente os que moram em comunidades, precisam ser reeducados. Às vezes nem é questão do que vem da família; é questão de alguém dar uma direção. E foi o que aconteceu comigo. Depois entrei em uma empresa americana e estou bem até hoje. Consigo cuidar da minha família. Eu acredito que o IP impacta diretamente no futuro dos jovens", conclui.
Davi Santos formado pelo projeto IP Mangueira - Divulgação
Davi Santos formado pelo projeto IP MangueiraDivulgação
Os interessados em se inscrever nos cursos do Instituto Profissionalizante Mangueira devem acessar a página oficial do projeto no Instagram (@_ipmangueira), no qual receberão informações sobre o período de inscrição, pré-requisitos e documentação necessária para o processo de seleção.