Por tiago.frederico
Rio - Mahatma Gandhi pregava que “a prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão”. A liberdade, para o líder indiano, está na consciência. As centenas de milhares de pessoas encarceradas no sistema penitenciário brasileiro parecem longe de compreender a força deste ensinamento. Apenas cerca de 10% usam seu tempo para ‘escapar’ dos horrores do cárcere através da educação. No Rio, a situação é ainda pior.

Dos cerca de 45 mil internos no estado, só 3.351 estudam. Vinte e dois deles são presos de regime aberto e semi aberto que fazem faculdade. A socióloga Edna Del Pomo de Araújo, professora do Departamento de Sociologia da UFF, destaca na publicação ‘Prisão e Socialização: a penitenciária Lemos Brito’, que “é preciso libertar os indivíduos por meio do trabalho e da educação”. “Os homens que hoje estão presos serão livres amanhã e, caso não tenham cumprido a pena em busca da recuperação, provavelmente voltarão a delinquir”, alerta.

O ex-policial militar Jeferson%2C preso em Bangu%2C depende de autorização da Vara de Execuções Penais para poder cursar Administração na UFFDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Jefferson Cunha Pereira, 37 anos, que completa oito anos na prisão em abril, decidiu trilhar caminho oposto. “Ler é uma fuga. Quando a gente está lendo, se desliga do ambiente onde está: o cárcere. A mente navega para fora daqui”, afirma Pereira.

Ex-policial militar, ele foi condenado a 20 anos de cadeia por homicídio. Aproveitou o tempo ocioso na cela para estudar, e o resultado foi animador. Foi um dos primeiros classificados do Rio, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), concorrendo com outros estudantes da rede pública. Ganhou uma vaga para cursar Administração de Empresas na Universidade Federal Fluminense (UFF) e Direito na Faculdade Anhanguera, em Niterói, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Cabe agora à Vara de Execuções Penais decidir se ele cursará ou não.
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O secretário de Administração Penitenciária do Rio (Seap), coronel PM Erir Ribeiro Costa Filho, também concorda que esse é o caminho. “É a parte da ressocialização e de humanização do sistema penitenciário que todos nós temos que buscar para devolver à sociedade um novo cidadão”, acredita.
Adquirir conhecimento e ter a possibilidade de se transformar não é a única vantagem para o preso que estuda. A Lei de Execuções Penais assegura o direito à remição (abatimento da pena) na proporção de um dia a cada 12 horas de frequência escolar. A lição de Gandhi é ainda mais útil quando combinada com a do filósofo Montesquieu: “Liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem.” Estudar para reduzir a pena, por exemplo.
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O ex-policial militar Jeferson, preso em Bangu, depende de autorização da Vara de Execuções Penais para poder cursar Administração na UFF
Arte / Agência O DIAArte / Agência O DIA

Salas de aula viraram celas

A Lei de Execuções Penais diz que é dever do Estado fornecer ao preso assistência educacional, com o objetivo de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Pela lei, o Ensino Fundamental é obrigatório nas prisões.

Porém, entre as letras da lei e a realidade brasileira há um profundo abismo. Apenas cerca de 10% dos 607 mil presos estudam. Não é para menos: metade das unidades prisionais do País nem tem sala de aula.

“Um dos eixos da reintegração é a Educação”, reforça a coordenadora-geral de Reintegração Social e Ensino do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Mara Fregapani Barreto. Mas, o déficit de vagas nos presídios do Brasil é tanto que “teve sala de aula que virou cela, porque tem muita gente presa”, lamenta Mara.
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Aprovado no Enem foi condenado pela juíza Patrícia Acioli
Jefferson Cunha Pereira, o preso aprovado no Enem, cumpre pena na Penitenciária Lemos de Brito, de segurança máxima do Complexo de Gericinó. Antes da prisão, era soldado da Polícia Militar, onde ingressou em 2005. Ironicamente, trabalhava no Tribunal de Justiça, à disposição do plantão judiciário.
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Ele foi condenado em junho de 2009 por homicídio, cometido em São Gonçalo. Foi sentenciado a 20 anos pela juíza Patrícia Acioli, magistrada assassinada, há cinco anos, por PMs corruptos, em Niterói, quando voltava para casa sem escolta.
Pereira se diz inocente e reclama da sentença. “Não matei. Testemunhas foram coagidas e ameaçadas. Na hora do crime, eu estava em casa com minha companheira, do outro lado da cidade”, garante.
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Quando chegou à Lemos de Brito, em 2012, Pereira passou a dedicar-se aos estudos. “Para fugir da ociosidade, adquirir conhecimento e relembrar o que já havia aprendido e esquecido”. Ele cursou o Ensino Médio na Escola Estadual Mário Quintana, que funciona na penitenciária. “Três horas na sala de aula, de segunda a sexta. Depois, voltava para a cela e estudava por conta própria”, conta Pereira, que também tomou gosto pela leitura. “Leio um pouco de tudo, desde livro didático a romances. O ultimo que li foi ‘Os Borgias’, de Mario Puzo ( italiano consagrado por suas obras sobre a máfia)”.
A Educação é o caminho para transformar o detento e o fracassado sistema penal, já que 70% dos presos voltam a cometer novos delitos quando retornam à sociedade livre.