Rio - A entrada repentina de Marina Silva na cabeça de chapa da candidatura presidencial do PSB foi o tema da segunda sabatina da série Encontros do DIA.
Para analisar os principais impactos da mudança no cenário eleitoral, os jornalistas Aziz Filho, diretor de Redação do jornal, Eugênia Lopes, editora de Política, Marco Aurélio Reis, editor de Economia, e os repórteres Eduardo Miranda e Luisa Brasil entrevistaram os cientistas políticos Cesar Romero Jacob, historiador e professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, Marcio Sales Saraiva, mestrando em Políticas Públicas na Uerj, e Eduardo Alves, coordenador da ONG Observatório de Favelas.
O DIA: A saída de integrantes do PSB da campanha de Marina Silva pode ser um exemplo do que ela terá que enfrentar?
Eduardo Alves: O PSB não tinha alternativa a não ser aceitar a Marina. Isso que o coordenador (Carlos Siqueira) fez não vai se colocar como problema para Marina. Vai ser um problema para o PSB, porque ele precisava dela. Ele é que tem que resolver seus problemas internos.
O PSB pode sair prejudicado desse processo ou ele necessariamente se beneficia dele?
Cesar Romero: Nas seis eleições pós-ditadura, sempre houve um presidenciável sem partido e um partido sem presidenciável. Foi assim em 1998 com o Ciro Gomes no PPS, em 2002 com o Garotinho no PSB e, em 2010, com a Marina no PV. A Marina, com seus 20 milhões de votos, não agregou nada ao PV. O partido elegeu treze deputados em 2006 e treze em 2010. O mesmo aconteceu com o Ciro no PPS e Garotinho no PSB.
Eduardo Alves: A hipótese de ela ganhar não significa um aumento de bancada. Você tem essa hipótese de ela ganhar a eleição, mas isso não é acompanhado necessariamente de um crescimento do PSB.
Cesar Romero: A Marina tinha a mesma agenda do Partido Verde, mas essa expectativa de aumento de bancada não aconteceu. Ou seja, os votos dela não foram votos de verdes, foram outros votos.
Então, quem são os eleitores da Marina?
Marcio Sales: Ela simboliza muito dos movimentos da jornada de junho, uma parcela do eleitorado que anda de “saco cheio” da institucionalidade e enxerga nela alguma forma de protesto.
Cesar Romero: Não existe terceira via no Brasil, existe terceiro colocado. Não há nada em comum entre o Brizola, o Enéas, o Ciro, o Garotinho e a Marina. Em 2010, a Marina foi o desaguadouro de muitas insatisfações. Tucanos estavam insatisfeitos contra o Serra, que parecia até que queria ser o candidato do Lula. E havia as viúvas do PT, que sonhavam que o governo do Lula fosse socialista. Mas também tiveram os evangélicos. Se você olhar para o mapa de votação da Marina e o mapa dos evangélicos pentecostais, há muita semelhança. Mesmo que ela não faça campanha para o segmento evangélico, não quer dizer que os evangélicos não votem nela. Em eleição majoritária, irmão vota em irmão. Isso não quer dizer que ela não tivesse voto dos verdes. Mas se os 20 milhões de votos dela fossem verdes, a bancada do PV seria enorme.
A candidatura do Pastor Everaldo pode tirar votos dela?
Marcio Sales: O voto pentecostal da Marina não é institucionalizado. O Pastor Everaldo tem um discurso ancorado no fundamentalismo religioso, amarrado nas grandes instituições e ligado a nomes como Manoel Dias e Silas Malafaia. O voto da Marina é pentecostal, mas não é da cúpula dos pentecostais, é um voto mais difuso.
Existe um conflito entre as posições da Marina? Por um lado ela é liberal, ligada aos “sonháticos”, mas no campo moral é conservadora.
Marcio Sales: Há uma tendência a se olhar para a Marina dentro de caixinhas de esquerda ou direita. A Marina está para além da esquerda e da direita. Essa é a dificuldade que nós temos de compreendê-la.
O fato dessas duas características estarem reunidas em torno de uma pessoa, e não de um partido, traz um elemento personalista para a campanha?
Marcio Sales: A política brasileira sempre foi personalista. O lulismo é a expressão de uma liderança absolutamente personalista. Essa questão não é uma invenção da Marina.
A candidatura dela traz um conteúdo diferente da polarização entre o PT e o PSDB?
Cesar Romero: A polarização entre o PT e o PSDB tem uma base muito clara. São Paulo tem um quarto do eleitorado e um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Quem não tem eleitor de São Paulo é “peru de natal”. A base do PSDB é a imensa classe média no centro expandido de São Paulo. A base do PT fica no entorno, cinturão industrial. O estado tem elites empresarial e sindical poderosas. Onde poderíamos tentar identificar uma base de votos de terceira via? Essa votação da Marina é algo que eu nunca tinha visto, é uma presença pentecostal em São Paulo. Pode haver uma terceira via com base subjacente no pentecostalismo. E é uma força invisível no jogo político.
Marcio Sales: O programa que iria ser lançado antes do Campos morrer apontava para algo diferente. O André Lara Rezende (um dos conselheiros de campanha na área econômica) quer discutir a economia a partir do paradigma da sustentabilidade. Não podemos pensar em um desenvolvimento sem limites. Isso é romper com a tradição do PSDB que ele mesmo fez parte.
Como fica o cenário no Rio? Ela sobe no palanque do Lindberg?
Cesar Romero: Neste bacanal, ninguém é de ninguém. O alinhamento federal é uma coisa, nacional é outra, nos municípios é outra. Somos amadores olhando uma mesa de pôquer profissional e tentando entender o jogo. Qual é o jogo, ninguém sabe.
Marcio Sales: A questão é que não há outra chance para Rede/Marina sem ser Lindberg. O PSB apoia o Lindberg, o Romário. Como ela não vai fechar com o Lindberg?
Eduardo Alves: O Jefferson Moura (um dos articuladores da Rede no Rio) está fazendo papel de ponte, mas isso só vai se consolidar com a presença da Marina. Acho que é possível esse apoio acontecer.
Agora que entrou na coligação, ela vai ter que ser menos “sonhática” para firmar alianças?
Marcio Sales: Isso será inevitável. Ela não é mais uma representante da Rede na chapa do Eduardo. Ela representa uma coligação que envolve diversos acordos regionais.
Cesar Romero: O Eduardo era um pragmático e a Marina encarna esse discurso na nova política. Mas é muito difícil chegar ao poder e praticar a nova política. Em 1988, quando o PSDB surgiu, se alinhou ao PFL para ganhar as eleições. O Eduardo enfrentava a mesma contradição. Com 30 partidos, o presidencialismo de coalizão não existe. O que existe é presidencialismo de cooptação.
Como fica o projeto da Rede?
Eduardo Alves: A Rede se constitui. Aquilo que o PSB tentou fazer, de uma carta de compromisso, não podia valer, porque é uma ideia que não tinha viabilidade.