Rio - A elegância de Carlos Alberto Parreira não se resume aos ternos bem cortados. Ao chegar na CBF, após enfrentar o trânsito da Barra, o coordenador técnico da Seleção é saudado por todos na entidade com um “Bom dia, professor”. Na organizada mesa com as regras do futebol e a biografia do atacante Waldo, ele sorri ao lembrar os 20 anos do tetra e franze a testa com as lesões de Fred. Sempre com requinte.
O DIA: Quando se aposentou como técnico na África, em 2010, você sonhava participar da Copa no Brasil?
PARREIRA: Algumas pessoas haviam comentado comigo que eu poderia de certo modo ser útil, pela experiência que tive em muitas Copas. Mas nunca gostei de ficar me oferecendo. Se algum dia precisassem, é claro que eu estaria disposto a colaborar.
O DIA: O que você planeja para depois do Mundial?
PARREIRA: Não quero ser mais técnico. Diretor ou gerente de clube também não me interessa. Conversei com Rodrigo Caetano (diretor-executivo do Vasco). Perguntei para ele sobre a rotina e pensei: ‘Caramba, é como se fosse técnico’. É exigente pelo lado de não ficar em casa. Não é isso que eu quero. E, além disso, o choque é muito grande entre o que você pretende e pode fazer.
O DIA: O presidente da CBF, José Maria Marin, declarou que, se quiser, Felipão fica na Seleção após a Copa. Com ele, você permanece?
PARREIRA: Decisões de futebol são de momento. Não é que o Marin vai mudar de ideia em relação ao Felipão ou a mim. Mas as circunstâncias determinam se você deve ou não continuar. É claro que a parceria com Felipão e Murtosa tem sido muito boa, além da expectativa. A gente se respeita e isso é o importante. Tinha a experiência de ter trabalhado com Zagallo. A gente está aqui para ajudá-lo, fornecer subsídios. Na hora, o treinador é quem decide.
O DIA: Entre Croácia, México e Camarões, qual adversário da primeira fase deve trazer mais problemas?
PARREIRA: A gente tem condições de ganhar os três jogos. O México sempre foi um adversário complicado. Na Copa das Confederações, você olha 2 a 0 e parece que foi um jogo fácil, mas não foi. Nós fizemos 1 a 0 e, em determinado momento do jogo, eles dominaram. Na Olimpíada, perdemos (na final, por 2 a 1). Respeitamos, mas temos condições de ganhar. A Croácia tem uma boa equipe, com bons jogadores atuando em grandes times europeus e tem o fato de ser a estreia. A expectativa está toda concentrada ali. Tem um nervosismo natural. Estrear com a vitória é um passo enorme para conseguir a classificação já no segundo jogo.
O DIA: O que é pior: pegar o fantasma da Holanda, que eliminou o Brasil em 2010, ou a Espanha, campeã do mundo, na segunda fase? Você descarta o Chile?
PARREIRA: Não descarto. Tanto é que, no nosso estudo de cruzamentos, a gente coloca os três: Espanha, Holanda e Chile. O Chile pode surpreender mesmo, não é conversa para boi dormir. É claro que a Espanha e a Holanda são favoritas. A gente tem cruzamentos difíceis até a final. Provavelmente, seria Espanha ou Holanda; Itália, Uruguai ou Inglaterra nas quartas; e provavelmente a Alemanha na semi. Só campeão do mundo. Mas a gente está consciente e a Seleção responde bem a esses desafios. Aquela máxima de 1994 se aplica muito bem: erro zero e eficiência máxima. Errou, vai embora. Pode estar muito bem, mas se errar, paga um preço muito alto.
O DIA: Qual avaliação do Fred desde que ele voltou após a última lesão?
PARREIRA: O Fred é um jogador que a gente conta para a Copa. Pela frente, ele tem três meses para entrar em forma. Eu não tenho dúvida de que vai entrar em forma. O importante é ele não se contundir mais. A nossa preocupação é que ele não tenha uma contusão que o impeça de jogar durante um, dois meses.
O DIA: A confusão sobre a contratação do Neymar pode prejudicar o jogador?
PARREIRA: O Neymar sabe separar muito bem esses aspectos, futebol e fora do campo. Na Seleção, sempre focou no futebol. Nossa esperança é essa.
O DIA: Quem será a grande estrela da Copa no Brasil: Cristiano Ronaldo, Messi ou Neymar?
PARREIRA: O Messi já fez duas Copas. Não deu para aparecer porque a Argentina saiu nas quartas (em 2010) e não se destacou individualmente. O mesmo com o Cristiano. Portugal saiu prematuramente da Copa (de 2010, nas oitavas). Ele jogou duas Copas e não se destacou. É o momento deles. É o primeiro Mundial do Neymar. Se tivesse que apostar lá atrás, diria que a Copa do Neymar seria a de 2018. Mas ele queimou etapas e já tem tudo para ser o grande nome. Aposto no Neymar.
O DIA: Quem pode alcançá-los?
PARREIRA: Esses são os três que saem na frente, até pelo momento deles. O Müller, da Alemanha, é um jogador maravilhoso. A Holanda tem Robben e Van Persie. Mas são diferentes, não são tão criativos e tão habilidosos como o Neymar. São jogadores muito bons.</MC> </MC>
O DIA: Como a África do Sul aproveitou a Copa de 2010?
PARREIRA: No esporte, o país se beneficiou com estádios novos. O legado para o cidadão sul-africano também. O aeroporto de Johanesburgo ficou igual aos da Europa. O metrô ligando o aeroporto até a cidade ficou pronto uma semana depois de a Copa terminar. As estradas, os hotéis, os CTs... Houve um legado que vai ficar para o cidadão e para o esporte. Tem um consórcio que administra o Soccer City. Tem quatro times que enchem o estádio, tem o rúgbi, que eles adoram, além de shows.
O DIA: E aqui no Brasil?
PARREIRA: É falar mais do mesmo. Todo mundo sabe que a gente esperava muito mais. Quando a Copa foi anunciada, todos esperávamos muito mais, em termos de aeroportos, mobilidade urbana, infraestrutura e a coisa não entrou no nível que a gente esperava. Para nós não foi legal.
O DIA: Por isso aumentou a rejeição à Copa de 10% para 38%?
PARREIRA: Provavelmente sim. Se o cidadão visse que os aeroportos melhoraram, que está andando em estradas melhores e tudo melhor, talvez não. Você vê muito projeto, mas fisicamente a gente não consegue ver, pelo menos no Rio. As pessoas que visitam Cuiabá e Manaus não conseguem ver essas obras. Vi que, em Brasília, de 42 obras projetadas, 20 não seriam mais feitas. O que a gente esperava não aconteceu, o que entristece. Vai ficar um legado, mas não tão bom e grande quanto a gente esperava.
O DIA: E para a Olimpíada no Rio, ainda dá tempo?
PARREIRA: Tenho amigos no comitê. Acho que vão conseguir entregar o que prometeram. Tem sempre atrasos nesses projetos grandes. A gente espera que a Olimpíada se beneficie da experiência da Copa, o que pode ser feito e o que não deve ser feito.</MC> <EM>
O DIA: A recusa de Diego Costa chateou muito vocês?
PARREIRA: Não. A gente fez o que era possível. A Fifa abriu a possibilidade, que acho totalmente errônea, porque o jogador já atuou pela seleção brasileira. O que é jogo oficial? É a data Fifa. A gente fez a convocação e o jogador já tinha feito a decisão dele. Tomara que seja feliz lá. Temos como substituí-lo.
O DIA: Qual é o lado bom e o ruim de jogar em casa?
PARREIRA: O Brasil sempre que vai para uma Copa tem que ganhar e, em casa, isso aumenta muito. A Copa das Confederações teve um aspecto muito positivo. O grito de ‘Campeão voltou’ foi o mais importante, além da vitória e do time ter jogado bem. Aquilo não foi nenhuma agência de publicidade, veio das entranhas do torcedor. A gente precisava ouvir isso.
O DIA: O que mudou do Parreira de 94 para o de hoje?
PARREIRA: Na essência nada. Em termos profissionais, muda porque a conquista é muito forte. A gente só reconhece a dimensão quando entra nesse rol. Na Europa, quando tem congresso, sou apresentado como o campeão do mundo em 94. É uma marca registrada. É claro que hoje eu me considero melhor do que há 20 anos.
O DIA: Lamenta a ida para o Valencia em 94?
PARREIRA: Lamento ter viajado uma semana depois do tetra. Foi uma loucura que não faria hoje. O Brasil não era campeão há 24 anos. Você ganha o título e vai embora uma semana depois? Aí, não tem mais jeito.
O DIA: Qual o momento mais estressante do tetracampeonato?
PARREIRA: Na Copa foi “moleza”. Duro foi aturar a Eliminatória. Na Copa, estávamos num país neutro, que só apoiava. Não preciso dizer mais nada, né (risos)? Toda Eliminatória foi um massacre como nunca vi. A comissão técnica era experiente e não se deixou influenciar pelo que falavam. O jogo contra o Uruguai no Maracanã tinha aquela tensão. Se perdêssemos, não iríamos para a Copa. O Brasil fez uma das maiores atuações em jogos oficiais. O Uruguai não passou do meio-campo. Atuação brilhante do time e do Romário individualmente. Uma coisa linda. Disse que, se repetíssemos aquela atuação, iríamos para o título.<QA0>
O DIA: E a Copa?
PARREIRA: Foi tranquila. Contra os EUA foi sufoco (1 a 0), mas o Taffarel mal pegou na bola. Contra a Suécia, na semifinal, foi 1 a 0, mas eles não chutaram a gol. O jogo foi muito fácil, apenas a angústia de o gol não sair. Vai que acontece um córner e vem um daqueles cavalinhos de dois metros e você toma um gol e perde o jogo. E a final foi dificílima. O time italiano era muito bom e bem armado pelo Sacchi. Era um jogo de xadrez, quem mexesse uma peça errada perdia a Copa.
O DIA: O Branco foi uma aposta sua. Você temeu colocá-lo contra a Holanda?
PARREIRA: Para ra um cara em que tinha toda a confiança. Precisávamos de experiência já que não ganhávamos o título há 24 anos. O Lídio Toledo (médico) disse que dava para recuperar e o Moraci (preparador físico) também. Nos primeiros 15 dias de treino em Santa Clara, ele quase não foi a campo. Não tive receio em colocá-lo contra a Holanda. Soube que ele ficou zangado de não ter entrado contra os EUA. Não falou comigo, mas com o Zagallo. Mas não era jogo para ele e, no outro, ele começou.
O DIA: O que pensou quando perdeu a zaga titular?
PARREIRA: A gente lamentou pela experiência do Mozer e do Ricardo Gomes, que era capitão. Mas tinha muita confiança no Márcio Santos, Aldair e Ronaldão, que veio para o lugar do Gomes.
O DIA: Colocar Romário no quarto com Dunga foi ideia sua?
PARREIRA: A comissão técnica não planejou nada. Eles eram amigos desde a base e devem ter combinado. Achamos ótimo. O Dunga é um líder nato e deve ter ajudado bastante.