Amazonas - O resgaste da língua nhemgatu será garantido às próximas gerações de índios Baré com a inclusão da ‘disciplina’ na grade curricular da pequena escola da Comunidade Nossa Senhora do Livramento. Mas no campo de terra batida e desnivelada, o futebol é o idioma universal que une homens, mulheres e crianças na comunidade às margens do Rio Negro.
Numa arquibancada improvisada, o cacique Austério vê a correria desenfreada da esposa, Maria Marta ou Yukuraiana, na língua indígena, sempre sem tirar os pés descalços de uma dividida.
“Ela gosta muito de jogar bola. Nossa comunidade é muito unida e participativa. O esporte é uma atividade que adotamos para a nossa cultura”, disse o cacique Baré.
Em tempos de Copa do Mundo, o vilarejo respira futebol, mas a motivação não vem dos astros que têm desfilado na Arena Amazônia. Na contagem regressiva para a estreia na Copa dos Bairros de Futebol, o União dos Povos Indígenas promete representar a comunidade na busca do inédito título.
A competição reúne 144 equipes de Manaus. Situada a 30 minutos de barco da área urbana da capital, os barés encontram no meio de transporte um dos contratempos para participar do evento. A falta de material esportivo é outra adversidade que o técnico Alzemiro supera na preparação da equipe.
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“Estamos animados, apesar de toda dificuldade. Jogamos descalços. São poucas as chuteiras. Quando usam, os jogadores demoram a se adaptar pela falta de costume”, revelou Alzemiro.
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O nome de batismo de ‘branco’ não esconde a origem de Alzemiro. Na linguagem indígena, o técnico é chamado de Winenaçu. O significado é pássaro grande. Ele terá a missão de fazer os barés voarem mais alto este ano.
Casado com índia, ‘branco’ é o capitão
Edson não nasceu numa tribo, mas se considera tão índio quanto qualquer baré. Há 28 anos, ele se apaixonou pela então adolescente Puraguy Sawá ou Fátima e não deixou mais a Comunidade Nossa Senhora do Livramento.
Natural de Manaus, ele cresceu num vilarejo banhado pelo Rio Negro, onde conheceu a esposa. Aos 46 anos, é o capitão da equipe indígena. “Nessa região, todo mundo é um pouco índio. Tenho muito orgulho disso”, disse Edson.
Técnico aposta na formação como militar
Técnico do União dos Povos Indígenas, Alzemiro teve sua formação numa tribo, mas não demorou a ter contato com o chamado mundo dos brancos. Ele serviu ao Exército brasileiro protegendo as fronteiras do país com Venezuela e Colômbia.
“Tive formação em casa, na escola e no exército. Todas são importantes para o homem. A militar ajudou a melhorar a disciplina, o foco. Tento passar isso ao time e, principalmente, para a comunidade que vivo”, disse o ex-cabo.