Por pedro.logato
Rio - Quando ganhou sua primeira boneca, a menina esmirradinha não pensou duas vezes: arrancou sua cabeça para transformá-la numa bola. Nascia ali uma das maiores jogadoras de futebol do país. Mas para vencer nos gramados primeiro foi preciso escapar dos irmãos, que não a deixavam jogar na rua com os meninos do bairro Lobato, onde cresceu no subúrbio de Salvador. Hoje, aos 37 anos, Miraildes Maciel Mota — apelidada de Formiga — se prepara para a sua sexta Olimpíada, em agosto, no Rio.
“Os meus irmãos não me deixavam jogar bola com os meninos se nenhum deles estivesse presente. Como sempre fui fominha em bola, quando eles iam trabalhar ou saíam para fazer alguma coisa, eu escapava para jogar. Mas eles acabavam me encontrando e eu apanhava. A preocupação deles era que os meninos fizessem alguma maldade, me batessem, e eu não teria como me proteger. Tem muitos meninos que não gostam de tomar entre as pernas de mulher porque os outros ficam zoando. E sempre me destaquei”, conta.
Formiga tem 37 anos e se prepara para mais uma Olimpíadaarquivo pessoal

Ela sobressaiu tanto que o futebol entrou para valer na sua vida. Saiu de casa aos 13 anos para jogar bola, com o consentimento da mãe, dona Celeste, que lutou para cuidar de cinco filhos: “Minha mãe é guerreira, eu me espelho nela. Nunca deu os filhos para ninguém. Oportunidade não faltou. Muito pelo contrário. Trabalhou muitos anos em casa de família, nos ajudando a crescer. Depois, conseguiu emprego numa fábrica. Um cuidou do outro. A gente não se perdeu pelo mundo. Ela não podia nos dar ouro, mas o pouco que tinha ela dava”, diz.

Formiga cresceu, mas dona Celeste até hoje não consegue assistir a um jogo da filha até o fim: “Começo a apanhar e ela vai para o quarto rezar. Ela pergunta para o meu irmão: ‘O que aconteceu?’ E ele responde: ‘Tomou uma pancada, mas já está de pé’ (risos).”

Quando o assunto é aposentadoria, Formiga diz que ainda pretende jogar em clubes até uns 40 anos. Se depender do técnico Vadão, ela não ficará longe da Seleção: “Ela é um símbolo do futebol feminino. É uma atleta de uma garra incomum. Jogar 20 anos como titular de uma seleção brasileira não é brincadeira. Se ela parar na Olimpíada e essa comissão técnica continuar na Seleção, ela fará parte da nossa comissão”, avisa Vadão.

Com a Seleção, viajou pelo mundo, tendo participado de todas as Olimpíadas desde que o futebol feminino entrou no programa dos Jogos, em Atlanta-1996. Com duas medalhas de prata olímpicas, em Atenas-2004 e Pequim-2008, ela sonha agora com o ouro inédito no Rio, como forma de homenagear várias gerações do futebol feminino.

“Não seria um prêmio só para mim. Queria representar aquelas que não conseguiram. Tenho essa dívida pessoal com elas. Se elas não tivessem carregado o piano lá atrás, talvez isso aqui não estivesse existindo. Foram elas que pegaram as piores coisas. Hoje o futebol feminino é bem mais aceito do que antigamente.”